SONHO DE CABÔCO (de ZÉ DA LUZ)

SONHO DE CABÔCO

de ZÉ DA LUZ

Do livro: BRASIL CABOCLO E O SERTÃO EM CARNE E OSSO

4ª edição, revista - Fevereiro de 1962, pela EDIÇÕES O CRUZEIRO, prefaciado por JOSÉ LINS DO RÊGO.

Transcrito, da forma que foi editado,

Por Rosa Regis (23/08/2006)

Meu patrão, eu tive um sonho,

Munto bunito e tristonho

Qui vou contá prô sinhô:

Éra assim, uma prucissão

Qui carregáva um andô,

E no andô infeitado,

Um hôme triste, ajuêiádo

Siguráva um violão.

Todo disincorduádo,

Dérna das prima, aos burdão.

Entonce, o cumpanhamento

Era feito, meu patrâo,

Pur um bando de istrumento:

-De Violão, de Vióla,

De Pandêro, Cavaquinho,

Réco-réco, Bandolinho,

Sanfona, Cuíca e Banjo

E os istrumento, tôdinho

Tinha asa cumo uns anjo

E lá vai a prucissão...

Lá vai indo, lá vai indo,

Assubindo, meu patrão,

Lá prô céu, sim, assubindo!

E eu, cum os ói regaládo,

Taliquá ôio de Tetéu,(*)

Fiquei, óiando abismádo,

O hôme triste, ajuêiádo,

Assubindo lá prô céu!

Perto d'eu, u'a muié,

Táva ajuêiáda, rezando...

Eu fui vendo e inscutando,

Qui a muié táva chorando.

Eu percisáva sabê,

Quem éra aquéla muié

Qui táva banhada im pranto,

E quem éra, aquele hôme

Qui ia sendo carregádo,

Lá prô céu, ajuêiádo,

Cumo se fôsse argum santo.

E preguntei prá muié:

Siá dona, Vosmissê,

Puderá mi arrespondê

Quem é aquêle hôme triste

Qui vai ali, no andô?

E éla, oiando prá eu:

- O sinhô não cunheceu?

Foi puéta, foi meu fío,

Foi o meu mais grande amô.

Mas, vai sendo carregádo,

Naquêle andô infeitádo

Prôs pés de Nosso Sinhô!

Inquanto éla, éssa coisa

Saluçando mi contáva,

Dois óio triste de mãe

Os pingo d'água, pingáva!

E a prucissão assubindo,

Mais perto do céu chegáva!

De repente, meu patrão,

As porta do céu se abriu!

E lá, nas porta dorada,

Chêinha de resprendô,

Apariceu Sinhô São Pêdo,

O chavêro do Sinhô,

Só pramode, arrecebê

O hôme triste do andô.

São Pêdo chamou uns anjo

Da côrte celestiá,

Prá prestá as homenáge

Àquele grande puéta,

Qui acabáva de chegá.

Adispôis mandou chamá

Os puéta brasilêro.

Todos puéta imortá,

Os premêro entre os premêro.

Só não digo pêlos nome,

Dêsses puéta qui eu vi,

Pruquê todos não cunhici.

Cunhici Fagunde Varéla

Cunhici Olavo Bilac

Agarrado cum uma istrêla...

Tombém Ogusto dos Anjo

Qui táva assim, bem bertinho,

Bem juntinho de um Arcanjo!

O grande Arve Azevêdo,

O mais môço dêles tôdo,

Táva assim, impariádo

Cunversando cum São Pêdo!

Apontando cum os dêdo,

Cá prá terra, dois puéta

Cuxixava arguma coisa!

-Éra o grande Castro Arves

Mais o grande Cruz e Soiza!

O Perílo de Olivêra

Ispiáva lá de riba,

Contemprando, sastifeito

Sua terra - a Paraíba!

O grande Gonçarves Día,

Êsse puéta imortá,

Qui cantou a sua tgerra

Nas terra de Portugá,

Siguráva uma gaióla,

Qui dento déla se uvía

Grugiando um Sabiá!...

* * *

Aí, São Pêdo mandou

Que os anjo arritirásse

O hôme triste, do andô

E disse, prôs istrumento

Qui fêz o cumpanhamento:

- Vocês, já pode vortá

Lá prá terra. E chegue lá,

Pode dizê, sem tê mêdo,

A tudo qui fô incréu,

Qui só prú sê do Brasí,

Êsse hôme fica, aquí,

Prá iscrevê samba do céu!!!

(*) Tetéu - Pássaro nordestino que, segundo a lenda, não dorme.

Rosa Regis
Enviado por Rosa Regis em 23/08/2006
Código do texto: T223632
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