Fauna Faraônica

Na ausência da barata diz-se que ela é tonta e repelente.

Na sua presença tornamo-nos assassinos compulsórios,

De obstinação patriótica.

(Mas não será a barata que acabará com o Brasil, saúvas à parte).

O bom-senso adulto, que só compreende a aparência,

Mas não vê a translúcida subjacência,

Conclui que ela é um ser medieval, pré-histórico,

Universal – mas não percebe mais que isto!

Na verdade, a barata é eterna,

Acima da ameaça atômica,

E de todas as viroses.

Já meu sobrinho de sete meses,

Do alto de sua filosofia pós-uterina,

Magicamente sentencia que a barata é templo e exemplo.

E quem poderá contestar?

Foi a partir disto (e de relatórios confidenciais,

Cujas conclusões mostram que o segredo da vida saudável

Não é a ânsia da vida por si mesma, mas a despretensão)

Que pretensiosamente prestei atenção

Ao pequeno objeto móvel sobre o meu sofá burguês.

E num salto prontifiquei-me a esclarecer os fatos:

Tomei uma havaiana de ¼ de libra,

Fazendo mentalmente cálculos dinâmicos,

Da energia necessária para o abate:

“Massa vezes aceleração da gravidade,

Vezes altura de queda” – quanta complicação!

Zapt! Durante o impacto, nenhum lamento.

Apenas o rompimento de vísceras delgadas.

E então, surpreso, vi que, intacto,

Estava o cérebro da barata ruminando a vida

Fingindo-se de morta.

De tão doído e arrependido,

Pensando, com a ajuda dos meus botões,

Num meio de recuperá-la

Coloquei-a rapidamente numa caixa de fósforos,

Junto a um balão de oxigênio,

Com talas e ataduras

E com o aviso:

“Cuidado, frágil”

E encaminhei-a, com urgência:

AO DOUTOR PITANGUY.

Cornélio Zampier Teixeira
Enviado por Cornélio Zampier Teixeira em 05/12/2018
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