"VIA CRUCIS" EM SONETOS

[Abertura]

Ó excelsos ministério e mistério

Da humanidade do nosso Deus:

Verbo-Filho humanado

Para fazer do homem: eterno!

Gerado no seio do Pai

No sopro da Vida: Amor,

Veio resgatar o que é à sua imagem,

Revelando em si a Bondade.

A Imagem do Pai se fez homem

No ventre da Imaculada,

No seio da Família Sagrada,

Trabalhou com as suas mãos

Fez-se artesão com São José,

O lume de Israel e das nações.

I

Trinta e três anos. Preso e humilhado,

O doce Jesus é levado pela turba

Da guarda do Santo Templo

De Caiphás à Pôncio Pilatos,

Depreciado pelo pérfido Herodes,

Açoitado pelos romanos soldados,

Tem coroa espinhosa e cetro de cana e

É revestido por trapo encarnado

Com o aspecto humano deforme

-Em sua Páscoa fará o homem deiforme,

Mas assim está o “mais belo dos homens”

Rejeitado por seu povo que livrou Barrabás,

Perante o lavabo do covarde Pilatos

À morte de cruz, o Rei eterno é condenado.

II

Abraçando o madeiro da cruz

Jesus toma em si nossas feridas:

O peso dos nossos pecados de

Infiéis à aliança com Deus;

Ao toque do divino sangue

O madeiro da vida ressequido

Regado na linfa e no sangue do Filho

Estenderá ao mundo seus pomos

O Cristo abraçado à cruz

Revela as misericórdias do Pai

E os dons do Santo Espírito

A cruz, bússola da Verdade,

É tomada com piedade

Pelo eterno que desceu ao finito.

III

São Padre Pio, capuchinho místico,

Contemplando a primeira queda

Da Via-sacra, em penitência,

Exortava os fiéis a meditá-la.

O corpo santo do Senhor

Verga, sob o peso da iniquidade,

Que da vida tira a virilidade

Pelos enganos da serpente

A cabeça do Senhor está ungindo

Pelo nephesh do seu sangue,

(Fortalecendo) aos seus membros...

As chagas dos seus joelhos e ombros:

Corpo entregue, sangue derramado,

Alvejando-nos do pecado.

IV

Reerguido, prossegue o cortejo

Dos pecadores sedentos do deicídio ou,

Ao menos do fratricídio, posto

Que ignoram o que fazem.

Maravilha-se São Bernardo

Do encontro real e místico

Entre o Senhor e Sua mãe,

Naquele drama fatídico

Cruzam-se com dor e luz,

Os olhos de Mãe e Filho.,

A Virgem, do Filho segue o destino.

Chegando o justo momento,

Pela Providência permitida,

Sente a ternura da Mãe, o Cristo...

V

A subida se faz íngreme,

Com as chagas do corpo e o peso

Entre o calor e os termos

Blasfemos da soldadesca

Porém o Centurião, de melhor senso,

Ao menos pra cumprir a pena,

Pela Lei domina a barbárie

Dos soldados irascíveis.

Vê um campônio com seus filhos,

Pasmos com espetáculo desumano

Efetivado na “santa-civilidade”

Simão Cirineu é levado

A abraçar, com Cristo, a cruz,

Manifestando justiça e humanidade.

VI

Mas à frente surge Verônica

Verdadeira imagem de mulher

Que comporta a santidade

Das justas damas da Antiguidade.

Descobre seus trançados velos

E leva o cândido véu à fronte

Ensanguentada do que é a fonte,

Que faz manar a Água viva.

E o precioso ícone sagrado

Da face da humanidade do Senhor

Deixa no alvo pano a efígie.

As urdiduras da existência, assim,

No sangue do Cordeiro restauradas,

Na forma do Cristo serão transfiguradas.

VII

Mas uma vez pesa o lenho

Não obstante a cura de Simão,

O Verbo Eterno vai ao chão

Cumprindo a segunda queda...

São os nossos pecados que pesam

Sobre o corpo do homem-Deus:

As reincidências iníquas

Das consciências pervertidas.

Santos, Francisco e Agostinho,

Que de lapsos a convertidos

Por essa meditação se tornaram,

Rogai por nós escravos

Dos prazeres desregrados!

Que sejamos libertados!

VIII

O pranto de Raquel por seus filhos,

Renova-se no choro das matronas

Com entranhas de misericórdia

Condescendentes com o “Lenho-vivo”.

E a elas, Jesus – profeta do amor

Que é verdade e é justiça em si –

Profere o vindouro castigo

Contra a cidade, sua gente e o templo.

As santas mulheres em lágrimas

Não conheceram a aridez

Pois bebem da Palavra Viva

Santas na maternidade

Que transborda em bondade

E piedade às profecias divinas...

IX

Terceira queda é chegada

À trágica luta do Pastor

Que se entrega por sua grei

Na cruz: sacramento do Amor.

As pulsações do Seu coração,

O suor no corpo ferido

Compassam o combate renhido

Contra o “antigo inimigo”

Vencendo as três tentações,

A tríplice concupiscência

Que turvam a veraz ciência

Prostrado está o corpo do Senhor

Mas no caminho é alçado

E torna a subida com ardor.

X

Chegados ao “Local do crânio”

Fora dos muros da cidade

Das vestes é despojado:

Túnica e manto sagrados.

Aquela é disputada nos dados,

O seu manto feito em pedaços

Pelos seus frios carrascos

E seu corpo açoitado é mostrado.

A Sua túnica em peça única

Sinal da unidade do corpo:

Igreja em comum-unidade

Porém, o Eterno feito pobre

Para nos enriquecer

Traz inocência e bondade...

XI

O imaculado corpo do Cordeiro

É deitado na santa cruz

E pela soldadesca é cravado,

De sangue, mãos e pés são lavados.

Os secos baques dos martelos

Sobre as cabeças dos cravos

Compassam o coração da Mãe,

Das mulheres e do amado...

A árvore da cruz é suspensa

E cravada sobre o crânio de Adão

Naquele árido e alto torrão

O solo se embebe de sangue

Que infiltra ao crânio submerso

E a morte recebe o antídoto.

XII

Teresa e Teresinha contemplaram,

Também Dulce, Clara e Catarina.

Com amor esponsal, o mistério

Da cruz feita tálamo do Esposo.

Do Cristo suspenso entre ladrões

Que ao arrependido dá o perdão,

E impetra a misericórdia

Do Pai àquela ignorante corja.

No discípulo amado, dá-nos Maria.

Naquele à ela, dá-nos por filhos,

Pra que ela nos gere “novos-Cristos”.

Ao Pai se entrega cumprida a justiça,

E fitando os seus discípulos, espirando,

Consigna-lhes o Santo Espírito.

XIII

Da cruz, o sagrado corpo e descido

Por José de Arimatéia e Nicodemos,

Discípulos nobres do Mestre,

Em meio às trevas inauditas.

No colo da Mãe dolorosa

É disposta aquela carne

Que em seu ventre foi tecida

À sombra do Santo Espírito.

A profecia de Simeão cumprida

E o coração da Virgem, transpassado

Para que o Novo Israel seja glorificado

E os povos serão iluminados

Pois o Ofício da Paixão

Por Cristo, foi consumado.

XIV

A tardinha avançando

E o Sabath chegando

Reclamavam a sepultura

Por Arimatéia providenciada

Levado ao novo túmulo

Na pedra nova, talhado,

Envolto em linhos e sudário

O divino corpo foi sepultado

E a alma e a divindade de Cristo

Desce à mansão dos mortos,

Aos justos que aguardavam a salvação

Vitorioso quebra os ferrolhos

Das portas do triste xeol

Conduzindo os justos ao céu.

XV

Completo o santo sabath,

Dá lugar ao oitavo dia

Que raia no jardim do túmulo

Transfigurando o Heptameron .

O sepulcro está misteriosamente aberto,

Os panos lacrados sem o corpo,

Atestam Pedro e João, os anjos,

As santas mulheres...

Com Madalena que muito o amou

E no jardim lhe falou Sua voz,

Mostrando-se glorificado.

Sua humanidade ressuscitada,

Manifesta-se aos discípulos,

Dando-lhes a Paz e o Espírito.