PRECE

Dou vivas em homenagem aos ossos que o mau agouro roeu.

Talvez seja este o preço de uma pseudo-liberdade

Prometida pela cáustica nobreza do ser.

- e isso dói-

Como a infecção que estraçalha o intestino dos corpos doentes

Anjos que choram e sangram fel, vinagre e enxofre

Repousam em pontas de cruzes negras e ferro retorcido

Arrependidos em leito de sombras.

Observo o mar da devassidão humana

Turvo e ameno, como o próprio fingimento,

E ainda assim dou vivas ao homem

E a quem soprou-lhe os nasais orifícios.

Somos lama podre e disforme, sim, é isto que somos

Nas babilônicas catedrais do muco,

Ajoelhamos e clamamos a uma entidade imaginária

Pela paz refletida nas unhas de nossos ancestrais.

- e isso cansa –

O fogo infernal, a auréola divina

A deficiência do aleijado e o povo perfeito de Hitler;

VIDA. FRIA. SINA.

A peste ignorante dos últimos dias,

Vandalizou a rima certa

E o canto agora é pegajoso, como o pegajoso sangue menstrual.

Neste pergaminho da existência,

Faço uma prece sem religião

Pois ontem, ao ver meu amor morrer,

Joguei minha bíblia no chão.

Ricardo Árcoli
Enviado por Ricardo Árcoli em 09/07/2019
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