meu balanço
Hoje eu acordei e decidi me matar,
Por mil diabos, já estava cansado
Dos tormentos em mim
Que mal me deixam respirar!
Decidi então que iria me enforcar,
Mas não tenho corda... vou comprar no mercado,
Com sorte esse será o meu fim,
Estou ansioso para isso tudo acabar.
E por sorte (ou azar) encontro mesmo a corda
É bem reforçada e grossa,
Talvez eu a prenda no batente da porta
Vou pensar nisso enquanto reflito minha fossa.
Cobraram o preço errado por ela, mas isso não importa
Preciso andar logo com essa joça.
Pensamentos ruins me invadem como uma horda,
Sinto que ter paz não é algo que eu possa.
Vejo atrás de mim na fila uma criança e uma mãe bem pobres
Ela não tem todo o dinheiro para o leite pagar.
Ao contrário do meu coração, e deles eram bons odres
Não era justo daquele jeito os deixar.
Então numa atitude que a moça do caixa achou nobre
Paguei não só o leite mas algo que depois pudessem jantar.
Aquela mãe então com sua gratidão me encobre,
Aquela moça do caixa me da um sorriso lindo de arrebatar.
Disse que o mundo precisa de pessoas como eu,
Que o meu gesto salvou o seu dia.
Uma sensação estranha então me bateu,
Acho que era um começo de alegria.
Saio dali pensando no que aconteceu
Algo então começa a querer ocupar minha vida vazia,
O que estava frio ali se aqueceu
Percebo que isso era algo que então eu sempre faria.
Mas isso é bobeira, já estou decidido
Quero por um ponto final nessa história.
Preciso recuperar esse tempo na fila perdido,
Amanhã quero ser apenas memória.
Minha vizinha, uma doce senhora, sem eu ter pedido
Me deu um pedaço enorme e delicioso de torta glória.
Confesso que fiquei mexido,
Com esse gesto de carinho de dona Vitória.
Ela disse reparar que ando meio desanimado,
Que comigo ficou preocupada.
Disse também que eu sou muito querido e amado,
Que se alguém me disser o contrário eu não creia em nada.
Ri então, e disse que me senti no bom sentido mimado.
Ela por sua vez de mim deu risada,
Disse que assim como todos mereço ser com amor tratado,
E brincou que se pudesse seria minha namorada.
Nesse decorrer do dia ganho outros sorrisos sem ter razão
De pessoas que passam por mim deixando sua bondade,
Coisas que me tocam o coração
Me mostrando outra realidade.
Vejo então uma luz surgindo em minha escuridão,
A treva densa começa dar lugar a claridade.
Vou me livrando daquela sensação
De que não posso ser feliz de verdade.
Chego finalmente em minha casa solitária,
Por Deus, que dia incrível!
Percebo que a vida é irônica, hilária,
Que o meu existir não é algo terrível.
Vejo que minha mente não é uma penitenciária,
Porém meu doce lar invisível.
Condecoro minha paciência agora honorária
Por ter me ajudado nessa luta temível.
De opinião então acabo mudando,
Com a corda que eu iria me enforcar
Farei agora um lindo balanço.
Cada gesto de carinho e amor que recebi acabaram por matar
Todo o mal que estava me matando.