Família

Um dia, numa rua quase estranha,

Daquela em que se vai só por rotina,

Descia junto ao sol, no meu ocaso,

E ouvi de uma casa a claridade

Da luz que é o sorriso de criança.

Senti, dentro de mim, uma orfandade;

"Mas eu que tenho vivos pai e mãe,

E o Bruno, mais que irmão, o que é verdade,

De onde é que me vem essa tristeza,

Que é real pra além da realidade?"

(A falta invisível, mais estranha,

Que aquela que se tem como mobília

Perdida, extraviada, desta casa,

Mas nossa casa é mais que estas entranhas.

Além do pó, do barro, há um Sopro,

Atávico e futuro, por sinal,

Que fala ao mesmo Sopro que abrigamos

E roça em nossa antena corporal.)

Um sonho epifânico em vigília:

— O sangue fala em nós com a vocação—

Descendo aquela rua, eu não sabia,

Que um dia, o que eu pedi, eu viveria,

Que em versos me viria a tradução

Daquela prece plena e sem palavras;

Não sei se um poema ou oração:

"Meu Deus, dai-me este dom de uma família;

A minha porta ao vosso coração."

David Ariru
Enviado por David Ariru em 02/07/2022
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