ÁLVARO AMOREYRA
MEMÓRIA DESMEMORIADA
Ele pagava aos credores. Mas, um dia, passou a esquecer-se de pagar aos credores.
O hábito é uma segunda natureza, na frase lapidar de Viriato Correia.
Com o hábito de esquecer os credores, e não se lembrar deles, o Gensen Memória passou a sofrer de amnésia.
Passando a sofrer de amnésia, passou não só a esquecer-se dos credores como de tudo o mais, não se lembrando, assim, de mais nada.
Não se lembrando de mais nada, esquecendo-se de tudo, era preciso, então, a gente fazê-lo lembrar-se das coisas, para ele não não esquecer-se delas.
E, nesse estado de coisas, nesse estado de profunda amnésia, foi que o Gensen Memória me apareceu, uma tarde, na rua.
- Olá, Memória!
- Olá, quem é você?
- O Álvaro!... Não se lembra mais do Álvaro?
- Como vai você, Memória?
- Sem memória, meu amigo.
- Você precisa tomar fosfato.
- Não há fósforos...
- Agora já há; passaram a 30 centavos, meu irmão.
- É verdade... Por falar em irmão: você tem uma irmã, não tem?
- Tenho.
- Como é mesmo o nome dela? Como estou esquecido! Não me lembro de mais nada, meu amigo! Esqueço-me de tudo!
- É Anésia, Memória!
- Ah, sim! Agora me lembro... não é amnésia, não, o nome dela é Anésia, não tem m...
Autor: Nestor Tambourindeguy Tangerini
Com o pseudônimo Álvaro Amoreyra. Revista O Espêto, p. 6, Rio, 15 de junho de 1947.