Sorriso da eternidade

É estranho como guardamos as sobras do almoço.

É ainda mais estranho como guardamos lembranças.

As lembranças não respiram, os almoços param de respirar, e continuam acelerando o carro, o som bem alto pra fazer de conta que o problema faz parte da diversão.

Mas ela não respira mesmo assim.

Não vamos enganar os problemas, nem as lembranças, por mais que elas venham te lamber como gatos numa manhã de sexta-feira nublada, não as ignore, há significados, não as engane.

É muito interessante como o mundo faz seu movimento de girar, mas não há nada mais ridículo do que girar em torno de si mesmo.

Se torcem tanto pra que sejamos alguém de personalidade forte, de caráter, porque quando crescemos temos que mentir tanto, ser tão hipócritas?

Recebi propostas, a maior história de amor, mas eu estava tão ocupado cuidando da próxima folha que ia cair. Eles são insistentes, e isso acontece desde muito antes gatos serem comparados com sextas-feiras e de publicarem fotos de crianças desaparecidas em caixas de leite.

Trocamos as senhas, damos bom dia nos lugares errados, temos visitas que cresceram conosco. Anunciamos as bobagens já previstas para todo sempre... Exercícios diários de humilhação. Aquela humilhação por prazer, que vem com sorrisos quando fecha o caixa, que vem com reflexo de vida cheia.

É tão legal quando não te chamam, é tão legal ver o relógio e mandá-lo pro inferno, é tão legal ter consciência dos erros, é tão mais legal morrer sem saber.

Estamos ocupados, precisando voltar para nosso lar, ou será que o lar precisa voltar até nós?

Quando tudo é como se espera, é tempo do desespero, o previsível significa que não temos mais sentido.

Quando tudo já é muito óbvio e as descobertas viram manequins pelados, sente já muito usado, é hora de dar vez ao próximo... Sem sentido, o igual são todos os espelhos. Mesmo sem querer, vá. É o momento da eternidade sorrir.

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Douglas Tedesco – 21.07.2010 – 21h e 56min.