Sentado com Clarisse em um canto...
Ainda cansado do vilipêndio
Carregando o peso da incompreensão
Esperando mais do que mereço
Sofrendo mais um descarte silencioso
Na verdade, ninguém quer saber
Se esperei com alegria, esperei...
Talvez me reste outras terapias
Já que a atenção dos que amo não encontro
Amor, amigos, se afastando em euforias
Prazeres que eu não consigo entender mais
A descaracterização dos sonhos e dos ideais
As tristezas pesando muito, a inércia dos fatos
O tempo escorrendo veloz pela ampulheta
As areias da aflição cegando meus olhos
Não tenho pelo que me mexer, pelo que lutar
De alguma forma encontro a Clarisse
A mesma da música que se machuca
Que acuada em um canto pela dor
Me abraça como o último refúgio
Trancados em nossos mundos
Em lágrimas brindamos o esquecimento
Trocamos marcas profundas de solidão
Sangramos, só precisamos disso
Trocar uma dor pela outra, não há medo
O sofrimento que ocultamos
É bem maior do que enxergam os que se afastam
Nos machucamos somente para esquecer
Sabemos das impossibilidades
Nada de forças, nada de trégua
Nossos soluços abafados pela agonia
Permitem que somente com um olhar
Troquemos o que mais nos faz sofrer
Ninguém entende, ninguém quer entender
Todo amanhecer novo fôlego
E lembramos daqueles que já se foram
Alguns nos olham com piedade
Buscando em nossas fraquezas uma condenação
E nos apresentam um Deus sem rosto
E nos pedem sacrifícios incompreensíveis
Nos chamam de doentes, enquanto o mundo está enfermo
Renegam nossa dor por pura indiferença
Mas eu e Clarisse sabemos que nada existe
Sabemos que a indiferença é uma arma social
E no momento que os antidepressivos
E a dose de sono artificial nos faltam
Ou tornam-se inócuos e não trazem conforto
Vem a noite d’alma e nos abraçamos
A loucura rondando nossos corpos
A Morte com seu hálito pesado se aproximando
E todo vazio que conhecemos nos abraça
De todos os tratamentos tentados
A indiferença expurgou a esperança
Voltar para casa trás o medo do vazio
O assédio dos que nos oprimem é pesado
Nada mudando no mundo ao redor
Tormentos e olhos vermelhos cegados pela dor
Nada de mundo injusto, sabemos...
São as pessoas que são injustas, afirmamos...
Sem futuros, presente ausente e passado vivo
Tudo que é mal assolando nossas almas
Muito perto de nós o desconforto da “normalidade”
Todos sofrem, homens ou mulheres
Mas nesse infeliz momento de solidão
Só eu e Clarisse podemos compartilhar da mesma dor
Em um mundo de mentiras, a hipocrisia dá as cartas
Trancados em um quarto, acuados pelo desprezo
Os discos que gostamos, os livros que lemos
Nosso mundo nos acompanhando
Nosso cansaço e a incerteza de uma nova manhã
Éramos pássaros, voávamos livres...
Agora trancados, já não cantamos mais
E o mundo cobra nossa antiga e alegre canção
Eu e Clarisse, buscando pela nossa existência
Querendo uma fresta para escapar
Em busca do caminho das pedras amarelas
E quem sabe de lá poder voar novamente
E esquecermos nossas idades, nosso tempo
Para nunca mais encontrar a indiferença...
Escutando Clarisse da banda Legião Urbana – CD Uma Outra estação – Faixa 5 – Texto inspirado na música. Adaptação livre.
A dor é real.