REFLEXÕES AO POR DO SOL

Eu já percorro minhas últimas milhas! No entanto, se olho com a cabeça para traz, vejo que pouco ou nada aprendi!

Não obtive as dádivas da temperança, o poder do comedimento, nem cavei profundamente o poço do conhecimento, onde poderia ter descoberto coisas que nunca saberei. Não conheço todos os meus defeitos, mas sei que existem e do pouco que descobri, digo que, se talvez soubesse o que sei, talvez nem tivesse tentado.

Embriaga-me vinho, embriaga-me, porque as luzes já se apagaram e estou farto das bizarrices, da dissimulação e do teatro bizarro da humanidade que insiste em encenar suas peças cretinas aos meus olhos que não mais acreditam.

Eu sei que não tenho saída porque já fui condenado no tribunal da minha consciëncia, sem que eu apresentasse qualquer defesa e aceitei com resignação minha pena. Na verdade desisti de lutar.

Tragam-me alguma metafisica se puderem, ou tragam ao menos, a ode clássica, porque ninguém canta melhor a lírica da poesia, do que ela, onde desejo mergulhar, para não mais voltar, neste lago escuro, que mergulhei, o lago da inconsciência, de onde não quero mais voltar.

Oh mestres meus, oh trovadores antigos de Florença, oh Anacreonte, cante-me novamente os feitos gregos, tragam-me as odes de Píndaro, deixem Virgílio recitar-me sua Eneida cheio de, mostrem-me a escritura dos Deuses das artes, que pretendo segui-los, como um discípulo fiel e cego.

Tragam-me as odes de Horácio, o ódio à tirania que inspirou Alcêo. Deem-me esta filha genial do sentimento que atingiu as altas esferas da alma humana e aplainou os aclives de sua estupidez! A poesia.

Dá-me de beber desta ninfa, nova ou ancestral, porque a poesia sempre foi o único traço da civilização dos povos bárbaros! O fio que conduziu o canto das epopeias das raças e quando confrontada com a realidade brutal, converteu-se nas tragédias gregas e nos teatros do absurdo. É ela ainda um dos melhores caminhos para cavar a suavidade das almas.

Oh água, clara, fresca e fluente da poesia de Petrarca, lave este meu espirito eivado de trevas e rancores! Deixa correr em mim os rios de energia dos teus versos, deixe-me boiar na sublimidade e voar na desarmonia do vento solto da sua imaginação inspiradora.

Liberta-me destes laços da realidade, porque eu quero ser o jogral da incoerência, o bandalho do fingimento, o Macunaíma da moral hipócrita e das promessas mentirosas do futuro. Quero simplesmente que se se explodam as teorias todas, eu quero apenas sonhar meus sonhos, nada mais. Sonhar e beber meu vinho até que meu fígado também se condene!

Eliot, Camões, Pessoa, Vinicius, Whitman, tantos foram os meus mestres. Eu sigo a todos e bebo na mesma taça deles, sem seus brilhos, posto que sou um vulto na noite, mas nossas almas, contudo, são irmãs. Todas as almas dos poetas são siamesas, porque navegamos as mesmas águas e professamos o mesmo credo de amar no mar de negações desta vida. Uns, porém são como faróis, enquanto outros são apenas vaga-lumes.

Não importa. Hoje, não mais me interessa, a tecnologia e suas formas novas de desbravar os caminhos materiais do homem, de entreter as mentes, ferre-se toda ciência, ferre-se tudo que é novo e moderno e o que ainda dorme nas mentes! Será que não veem que só precisamos de mais humanidade, e sermos mais verdadeiros? Isso aí, humanidade e verdade, porra! Todos amando todos! Amando e respeitando, o resto é conversa fiada.

Deus, porque nos dividem? Porque nascem sem olhos e sem coração, estes monstros, teus filhos a quem deste o dom de dirigir o planeta e porque ainda deu a muitos, esta lucidez de ver seus truques que escondem, na verdade, suas fraquezas?

Se estivesse de saco cheio e não fosse Deus, o serafim da bondade, retrucaria, por certo: - Bebe teu vinho, alma infeliz! Bebe teu vinho e dorme, porque não há mais caminho e não haverá nada a descobrir no front da vida!

Celio Govedice
Enviado por Celio Govedice em 15/11/2017
Reeditado em 20/10/2023
Código do texto: T6172671
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