O TEMPO NA ALDEIA É CIRCULAR

O tempo que trago em mim

Caminha lento, é sagrado

Traz sabedoria, não anda apressado

Conversa com a nação

É um grande educador de novas lições.

O tempo que trago em mim

Carrega a voz da ancestralidade

A sabedoria da mocidade

Na pureza da simplicidade.

Ouvi o tempo contar

Narrativas de resistências

Li seus textos de grandes vivências

Na folha d’água que o rio apresentou.

O tempo na aldeia é paciente

Obedece a lua e a natureza

Sabe que a grande realeza

Precisa de cuidados para se defender

Dos invasores que violentam sua pureza.

O tempo ensinou os indígenas

A conversar com a passarada

A ver o rio como uma estrada

De lutas, afirmações, cosmovisões e união

Vivendo a partilha no ser “parente”, no abraço de irmão.

O tempo de aprender

No lugar do meu saber

Ouvir e reconhecer

A cultura, a identidade de todo ser.

O tempo aqui parece não ter pressa de passar

É que tem muito assunto para prosear

Eu vi o tempo sentado

Num banco de madeira

Cabelo despenteado

Olhando o rio à espera do encantado.

É que na aldeia o tempo é circular

Obedece ao maracá

A luarada em seu esplendor

É o tempo das pescarias

Esse tempo a ciência não estudou.

O tempo na cidade é linear

Se preocupa em viver o presente

Com grande preocupação com o futuro

Nu acúmulo de bens e capital

Por onde passa deixa destruição numa ação fatal.

Tem a marca do relógio

E como se fosse um formigueiro

Na agitação de um dia de chuva

Corre sem saber para onde

Na pressa de chegar a todo lugar

Ou a lugar nenhum

Perdendo-se em si mesmo.

Na cidade falta tempo

Na aldeia sobra tempo

Na primeira não se tem tempo para ouvir o silêncio

Na segunda o silêncio é um mestre

E não se mede o tempo para ouvir.

É preciso sentir o tempo

Não precisa apressá-lo

Cada minuto deve ser aproveitado

Para viver o amor, a vida, aprender.

Eu vi o tempo chegar na canoa envelhecida

Sorriso largo, pele morena, voz cansada

Trazia ensinamentos de uma jornada

Há tempos vivida pelos ancestrais.

Eu vi o tempo meu cabelo esbranquiçar.

Senti que cada fio trazia a marca da minha história

Lutas com resistências, desafios, quedas e glórias

Na ponta da lança os valores da memória.

Tempo de se trabalhar a espiritualidade

Tempo de conhecer a beleza de sua idade

Tempo de ser água, terra, biodiversidade

Tempo de buscar o bem viver na aldeia ou na cidade.

Márcia Wayna Kambeba
Enviado por Márcia Wayna Kambeba em 01/10/2020
Reeditado em 02/10/2020
Código do texto: T7076549
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