Monólogo de uma afogada
Ainda retenho o peso
Do corpo de que fui esteio.
A vida ainda me enrola
Como embrulhada na onda
E a razão não depara
A desopressão da mágoa.
Ando perdida na busca,
Vagueio como fantasma
Que ainda não acredita
Que se encontra noutra vida.
Meu pobre corpo coberto
De algas, lama e entulho,
Putrefacto, inabitado
Jaze onde foi engolido,
Já sem os esgares do medo.
Mas eu, que agora divago,
Comprovo quanto é insano
E absurdo o ser humano!
Eu, que a tudo pertenço,
Pois sou átomo suspenso,
De pavor empalideço.
Subi do fundo do abismo,
Fui cuspida do meu fruto,
Mas precisarei de tempo
Para ser novo rebento
Re-habitar este mundo,
Aonde o alimento
É tão mal distribuído.
Agora, vejo o engano
Em que me forcei sem ganho,
pois nada tendo, sou tudo.
Maria Petronilho
29/12/2004