Volta.

minha mãe levanta a cabeça do colchão

me manda dormir

não vê que tento me redimir

escrevendo essas linhas depois de meses

de Pura paralisia literária

ela diz isso e volta a sonhar

eu fico aqui tentando espantar a catarse

remover o mofo acumulado nos meus versos

injetar nova energia

explorar outros universos

e toda essa doença instalada

já não me aterroriza

se ainda me resta poesia

e quando me perguntam o que faço

eu logo digo: nada

pois se digo que atuo e escrevo

pensam na hora que sou vagabundo

há algo de errado com esse mundo

ao menos nessa parte

artistas não são putas

nem santos, nem mártires

talvez heróis loucos

irremediavelmente apaixonados pela arte.

é difícil ser escritor

há de se ter coragem, insistência

persistência, paciência e

alguns cigarros pra queimar, enquanto tento

dispersar o branco da folha que me esvazia

a mente quando toco o caderno.

não sou obsessivo. até gostaria.

cismar de me trancar no quarto e só

sair quando escrever algo decente.

mas isso seria perigoso, talvez morresse de fome

antes de vomitar uma pérola. mas a dificuldade inspira.

se fosse fácil eu nem tentava.

bloqueio criativo é como um câncer.

se você não faz nada ele cresce e se alastra.

metástase que come inspiração à la pac-man

até que nada mais reste fora o branco

e o som do vazio.

então você tem de escolher.

abraçar o silêncio enquanto as folhas amarelam

ou gritar com tinta antes que todos se esqueçam.

agora me lembro.

sim, eu já escolhi.