Ode Quotidiana

A noite em vão recai

Nestes dias inconstantes

E os dias sempre mais

Recuam, mesmo antes

Precedidos de uma calma

Permeada pelo tédio

Repuxados pela alça

De um eterno cemitério

De um almário dantesco

E de vidas surrupiadas

Pelos mesmos arabescos

E cargas carregadas

Por jovens inocentes

E anciões martirizados

Em promessas decadentes

E perdões renuciados.

De um futuro passageiro

Surgem imagens do presente

Destroçadas em um cinzeiro

Em cinzas de corpo e mente

E tão logo o vento sopra

E esse ser é carregado

Nascem falsas memórias

De um recém nascido Passado

Que nos percorrem levemente

Leve e continuamente

Continua e crescentemente

Mas o fazem tão habilmente

Que de certa forma

Ultrapassam-nos as normas

E roubam-nos as vidas

Quase que imperceptivelmente.

Do proveito que é tirado

De nossa mesada diária

Apenas nos resta um saldo

De contas atrasadas

E o tempo foi-se embora

Rindo-nos com suas charadas

Cujas respostas outrora

Sequer a Esfinge carregava.

Como então centrar-se

Em pensamento tão abstrato

Em idéias tão fugazes

E em um nada tão exato

Como questionar-se

Sobre o quotidiano

Sobre coisas tão presentes

E sobre um ser tão redundante

Quanto o ser do Ser Humano?

Estranho sentimento

Memória que tanto faz

Lembrar-se de um momento

Que foi deixado pra trás

E mais instigante ainda

Do que este todo inexplicável

É a vida que se finda

Mesmo sendo interminável

E que após isso se oculta

Em uma suposta verdade universal

E em crenças só não mais absurdas

Que o absurdo da descrença total.

O curso ensina que o medo

Nos leva a deixar de errar

Enquanto que o erro

Nos dá a chance de acertar

E mesmo que o erro erre

Não se deve culpá-lo

Pois um não-acerto serve

Como novo aprendizado

E deve-se ter em mente

Que um velho erro não se cansa

E nem errado se sente

Pois mesmo que machuque agente

É a ele e somente

A ele que o arrependimento não alcança.

E o tempo, tempo, tempo

Que cruelmente a vida nos quebra

E o Relógio, seu escravo sedento

Nos faz escravos da vida moderna

Com aqueles sempre ponteiros

Que pontuando tic-à-tac circulam

E apontam de modo certeiro

O espaço de vida que furtam.

Agora sorriem-me os deuses

Com sarcasmo e ironia

E eu forjo-me, como eles

Em uma falsa valentia

Tão falsa quanto inútil

Ante tamanha tirania

Que, leviana e fútil

Prega em mim a agonia

De olhar sempre atrasado

Para aquela estante vazia

Onde no instante passado

De mãos e pés atados

Esperando pelo meu grado

Encontrava-se a alegria.

Gravor di Saint Danielt
Enviado por Gravor di Saint Danielt em 18/08/2006
Reeditado em 04/05/2010
Código do texto: T218998
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