A Ilha das Coisas Selvagens

Cada vez que eu cometia um erro

O anjo morria um pouco em mim

E o menino-fera ficava mais forte.

Uma espécie de desterro,

Começava a acontecer assim

E errar passava a ser meu esporte.

Sempre que eu percebia reprovação

Mais triste ficava, e mais errava.

E do erro a fera se alimentava.

Era um caminho sem outra opção,

Essa estrada pela qual eu andava.

De mim nada bom ninguém esperava.

Mas ainda existia por baixo de tudo

Da roupa de lobo, de focinho pontudo

Um resto do anjo que esperava ser salvo.

Infeliz, que um dia, por erros a mais

Fui condenado, e fugi para o cais.

Naveguei ao horizonte, fugi de ser alvo.

E cheguei numa ilha das mais estranhas

Onde moravam feras de grandeza tamanha,

Mas simples e toscos, cada qual a seu jeito.

Me admiraram justo por meu selvagem ser

E ser como eles, nos domínios de seu parecer

Me trataram por rei, me prestaram respeito.

Mas senti que eles não eram de verdade.

Eram parte de mim, eram meus sentimentos

Cada qual em forma de monstro encarnado.

Eram todos soma de pureza e maldade.

Eram básicos, imperfeitos estranhos tormentos

Retratos perfeitos de quanto fui descontrolado.

Precisei dominá-los, ou ao menos convencer

Com muita diplomacia, me fazer entender,

Para sair vivo da ilha e não ser devorado.

E voltei para casa, com a alma cansada de doer

E um sentimento novo no coração a bater

E os sentimentos que deixei para trás, dominados.

Na minha volta encontrei mais calor e alegria

Aprendi a trabalhar naquilo que me cabia

E a ter responsabilidade não só por pensar.

Trouxe da ilha a lembrança de tudo que sentia,

Tudo que gostava e o que não me servia,

E aprendi, finalmente a tudo isso equilibrar.

Rasguei as vestes de menino-fera,

Como anjo apareci, com experiência aprendida

Deixei os farrapos pra trás, e de repente

Todos perceberam, mesmo sem espera

A fera deixou a marca da própria mordida

E naquele momento, de fera, voltei a ser gente.