Tempo

Não me iludas, tempo em vão,

Se cada noite posso pensar em ti,

Se estás em todas, estás em mim,

É cada parte, cada pertence,

Que não me pertence.

Se em cada boca um mel diferente,

Em cada meio um beco sem gente,

Semente, não minta para mim,

Se assim me queres contigo.

Habitas o meu sonho, mais que eu,

Mesmo que queira, não tenho,

Mesmo que tenha, não posso sentir.

És alguém, mas não será um ninguém,

Nunca terás um porquê, talvez,

Um amém, obrigado, um pois não.

Queira eu habitar cada olhar,

Cada cheiro que sentes, que pressentes,

Que correntes, corres para mim,

Posso abraçar-te, vais de fogo à gelo.

És meu, és minha, que voa e engatinha,

Mas, traz o brilho no verso dos olhos,

Dos solos, cordas quebradas, mas gostas.

Porque, se existes, não domino,

Não me permites ter-te nos braços,

Nem nos beijos, que se derretem,

És mais eu do que eu mesmo, não é você,

Sou eu, sou filho, sou teu, em cada dia,

Que começa mas não termina,

Que confessa, mas não condena.

Todas as existências coexistem em você,

Meu tempo em vão, que me vai,

Por si só, mas não me esqueças,

Não me deixes para mim mesmo.