Vôo solo

Num tempo muito distante

Ela caminhava sobre flores

Sorrisos e cantares

Vivia sonhos, imaginava amores

Mas a esperança dela se retirou

O sol escureceu, o céu enegreceu

O coração de carne se tornou um sarcófago cheio de sentimentos mumificados, atrofiados.

As flores secaram, o encanto pelo belo acabou, evaporou...

Alheia a toda normalidade, ela era só mais um número na cidade, invisível a todos os rostos distraídos, despreocupados.

Ela sentou no seu canto, e esperou o sábio tempo levar consigo todo lixo de seu coração iludido, ela esperou, apenas esperou...

Ela acordou das histórias de menina,

fugiu dos contos de fadas, e se entregou a sua própria escuridão, soltou as amarras, rompeu os grilhões que feriam sua alma, e abriu suas asas, como uma velha águia, que passou pela dor da reclusão, perdeu suas garras, perdeu suas asas, triste, solitária, e voltou mais forte, renovada...

E lançou-se no seu vôo mais alto, livre, voraz sem olhar pra trás, a presa, se tornou enfim a predadora, abriu asas para a escuridão que tocou seu coração, acariciou sua solidão forjada no fogo da desilusão.

Sobre o amor...ela sabe que tem que rasgar, tem que sangrar, tem que sobreviver à escuridão do próprio ser...

e nunca foi assim, ela o empurrou pra dentro, num canto qualquer dentro do peito, num buraco negro, ele está ali, congelado, inerte, quieto.

Talvez numa dessas noites em seu vôo solo ela voe pra bem longe, dentro de si, e em seu corpo petrificado, alguma fagulha, acenda o amor que no peito foi amordaçado.

Heterônimo

Maria Mística