Quem Sabe: A Própria Poesia?
Em um sussurro da alma, ecoa um anseio antigo, uma melodia ainda não totalmente desvelada. Quem sabe, em algum recanto do infinito, onde as existências se rearranjam como notas musicais em uma sinfonia cósmica, eu possa transcender a humilde tarefa de tecer palavras e me tornar a própria essência da beleza que tanto busco.
Nesta jornada terrena, sou a poetisa, a artesã das emoções, a que molda os sentimentos em versos e estrofes. Capturo o fugaz brilho de um olhar, a melancolia de um crepúsculo, a alegria efervescente de um encontro, e os transformo em pontes de palavras que buscam tocar outras almas. Sinto a poesia pulsando em minhas veias, como um rio subterrâneo que anseia pela superfície, e me esforço para dar-lhe voz, para vesti-la com a delicadeza e a força que ela merece.
Mas há momentos, em meio à dança das metáforas e à busca pela rima perfeita, em que sinto a limitação das ferramentas. As palavras, por mais ricas e maleáveis que sejam, sempre carregam consigo uma sombra de imperfeição, uma distância tênue da pureza do sentimento original. É então que o desejo se acende, a visão de um futuro incerto onde a fronteira entre o ser e a arte se dissolve.
Quem sabe, em outra vida, eu não precise mais empunhar a caneta como uma varinha mágica, tentando evocar a beleza do mundo. Talvez eu mesma seja essa beleza, a melodia que flui sem esforço, a imagem que se grava na retina sem a necessidade de ser pintada. Serei o verso livre que paira no ar, a metáfora viva que se manifesta em cada gesto, em cada olhar.
Serei a suavidade do vento que acaricia a face, a força silenciosa da montanha que se ergue imponente, o mistério profundo do oceano que convida à contemplação. Não precisarei descrever o amor, pois serei a própria pulsação afetuosa que une os corações. Não precisarei narrar a dor, pois serei o eco compassivo que ressoa na alma ferida.
Nessa outra existência, a poesia não será algo a ser criado, mas sim a própria substância do meu ser. Cada respiração será um ritmo, cada pensamento uma imagem vívida, cada encontro uma estrofe completa. Serei a poesia que se manifesta sem artifícios, pura e visceral, tocando o mundo com a simples presença.
Enquanto essa metamorfose não acontece, sigo aqui, a poetisa, com a humildade de quem tenta traduzir o indizível e a esperança de que, um dia, a distância entre a criadora e a criação se desfaça, e eu possa finalmente ser a poesia que tanto amo. E talvez, só talvez, essa poesia que eu venha a ser encontre outras poesias errantes pelo universo, reconhecendo-se em um silêncio eloquente, em uma dança cósmica de pura beleza.
E.