Iniciação (por Fernando Pessoa)...
Chama-se iniciação ao entendimento profundo dos símbolos, sendo considerados símbolos, e não lições directas ou factos históricos, os rituais e (...) de todas as religiões. Assim um cabalista não interpreta os «seis dias» da criação do mundo como sendo «dias» no sentido directo; atribui-lhe outro sentido, que não importa qual seja. Assim um cabalista cristão não toma literalmente a narrativa dos Evangelhos; o nascimento de Jesus, e a sua morte, por exemplo, são por ele considerados como exposições simbólicas. Para um cabalista cristão a Segunda Pessoa da Trindade não pôde nascer em Nazaré (Belém)……Mas o significado real da iniciação é que este mundo visível em que vivemos é um símbolo e uma sombra, que esta vida que conhecemos através dos sentidos é uma morte e um sono, ou, por outras palavras, que o que vemos é uma ilusão. A iniciação é o dissipar — um dissipar gradual, parcial — dessa ilusão. A razão do seu segredo é que a maior parte dos homens não está adaptada a compreendê-lo e, portanto, compreendê-lo-á mal e confundi-lo-á, se for tornado público. A razão de ele ser simbólico é que a iniciação não é um conhecimento, mas uma vida, e o homem deve, portanto, descobrir por si o que mostram os símbolos, porque, assim, viverá a vida deles, não se limitando a aprender as palavras em que são mostrados.Dizer que Cristo é um símbolo do Sol é pôr o processo iniciatório ao invés. É o Sol que é o símbolo de Cristo. Por outras palavras, Cristo é a realidade e o Sol a ilusão, Cristo é a luz, e o Sol a sombra. (O Inefável é a luz; o GA, corpo; o mundo, sombra — a sombra projectada pelo denso quando iluminado pelo subtil. A luz está na circunferência e a sombra lançada para o centro. Isto tem alguma coisa a ver com o pt. dentro do c.?) (Cf. a ideia cabalística do En Soph retirando-se para dentro, manifestando-se dentro e não fora).
Iniciar um homem por um ritual complicado e mais ou menos impressivo e depois confiar-lhe, sob promessas de segredo e juras mais ou menos terríveis, que a Primavera vem depois do Inverno — isto nunca podia ter sido o plano de qualquer corpo ou sistema iniciático. Mas tê-lo-ia sido ensinar o contrário — que a Primavera, seguindo-se ao Inverno, é um símbolo de coisas maiores, que o natural é uma figuração do sobrenatural.
Isto, feito com mais ou menos pormenor, em símbolo, depois em doutrina, depois em revelação, é a essência de todas as verdadeiras iniciações, de Eleusis a Kilwinning.
Ordens de inic.: (I) através de símbolos e (mais tarde) explicações em si próprias simbólicas—cf. Pike; (2) através de doutrina simbólica, verdadeira ao seu nível, e explicações, já não simbólicas; (3) através de comunicação directa, embora não necessariamente falada ou expressa.Não digo que estas coisas representem uma verdade e não digo que o não façam. Digo que este é o significado da iniciação, que é assim que a iniciação existe e que é para estes fins que ela existe.

 
Iniciação
                            
Não dormes sob os ciprestes,
Pois não há sono no mundo.
O corpo é a sombra das vestes
Que encobrem teu ser profundo.
Vem a noite, que é a morte,
E a sombra acabou sem ser.
Vais na noite só recorte,
Igual a ti sem querer.
Mas na Estalagem do Assombro
Tiran-te os Anjos a capa :
Segues sem capa no ombro,
Com o pouco que te tapa.
Então Arcanjos da Estrada
Despem-te e deixam-te nu.
Não tens vestes, não tens nada :
Tens só teu corpo, que és tu.
Por fim, na funda caverna,
Os Deuses despem-te mais.
Teu corpo cessa, alma externa,
Mas vês que são teus iguais.
A sombra das tuas vestes
Ficou entre nós na Sorte.
Não 'stás morto, entre ciprestes.
Neófito, não há morte.
 
AINDA NEÓFITO...
 
Ainda guardo as lembranças 
daquela gruta escura
- sala das reflexões-
ausência total de luz!
Um mapa já escrito 
entre a palavra e a percepção.
Eu, neófito,
enclausurado
numa pequena masmorra.
Pedra, silêncio e emoção...
Uma cova profunda
e pensamentos profanos,
desejos e paixões,
um corpo em levitação
uma alma em evolução.
 
Minha iniciação
não tinha nome certo
 
escondido e desnudo
guardado e fragmentado 
como ser humano
ainda neófito
sem vestes

meio corpo
meio nú 
meio descoberto...

 
Morri sob as ruínas do templo 
e renasci feito átomos da ventania.
 
Perguntas resvalaram-me
anjos respondiam:
Nem dia nem noite 
alma descoberta e nenhum corte

nada falei sobre a morte.
 
Os deuses abandonaram-me  à própria sorte!
 
Esconderam-me por mil anos,
extinguiram-me os segredos.
 
Assim aguardei
e chorei
sob o silêncio das árvores.
Esperei na caverna sem luz
a retirada
 do negro capuz.
 
Assim lapidei a pedra 
decifrei a sinfonia
do toque das reflexões
dos meus sonhos...
antes do princípio da maçonaria.
 
O filme da vida passou diante de mim,
aprendiz do meu próprio tempo.
Inventei um jeito de filosofar
sem enganos sem magia,
além das estrelas distantes
busquei a tolerância, a compreensão e a força para viver mais um dia.
Assim nasci para a Maçonaria.

  

Wildon lopes
13/05/2013