TORMENTA
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Escuridão em bestial limite
Solidão, cegante aconchego
E o enigma do meio?
Desmancha-se feito grafite
Ando de um cômodo ao outro
A mente digerindo dissimulações
Proferidas outrora como canções
Deus meu, como fui tolo!
Separe com tridente a língua
Fétida e bolorenta da criatura
Mensageira da última escritura
Deixa meu corpo a míngua.
Por galerias a esgueirar-me – anda
Este fantasma sem nome
Praga desgraçada que consome
A parte única que a mim comanda
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Pessoas de esterco, manequins sem alma
Inda hoje creio nisto
Como ópio, maldade, vício
Torturam a amena calma.
Ouço tambores tribais
De antigas civilizações; arrepio
Galhos estalam, do vento, um assobio
Deus meu, odeio rituais!
Deito para aliviar a dor
Na cervical, de certo, mau jeito
Mas a mágoa que dilacera o peito
Para esta, não há doutor.
Imploro por um gole seco
De honestidade, peço muito?
O mundo caminha para o imundo
Onde o sentimento é obsoleto
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Odor de carne estragada
Uma tigela cheia, só para mim
Único convidado neste festim
De ego ferido e face gangrenada
O luto da noite conforta
Pois aqui e ali, a selva adormece
Nesta hora nada me aborrece
Deus meu, ninguém se importa!
A distância emerge apavorante
Num destino sem – des-tino, morro
Sou cria do barro e dele absorvo
Uma turvidez podre e ligante
No ainda ser ou não ser
Questionável pelo enigma das coisas
E por não entender as mesmas coisas
É que hoje, voltei a escrever.
Ricardo Árcoli.