Poesia ao som de um blues

Minha alma está negra

Negra como o blues

Está na ceifa do algodão

da Carolina do Sul

Nos cafezais

do rio Paraíba do Sul

Está triste

como a guitarra do BB King

É irmã do Pastor Luter King

Quer ser o tambor

do Olodum

Está sugando o leite

da ama de leite

Ela é o duro piso da senzala no poente

Na noite enluarada da fazenda

Ao crepitar da fogueira

Quer aquecer o inverno pálido

Longe da África de Lucy

Primeira mãe

Ela chora com as crianças separadas

Das tetas magras

Embarcadas em Angola e Bengala

Ela é a sola dos pés da mucama

Dura sola sem calçado, machucada

Ela é a mão do negro do engenho

Com grossos calos brancos

Na palma

No negrume da epiderme nos dedos

Mãos estas

Que debulham o algodão branco dos brancos

Minha alma está calada

Ao ver os riscos das chibatadas

Formarem vales de sangue

Nas costas do varão

Pior?

Ser a alma

De corpos desencarnados

Corpos Pretos do valão

Nos rios da Baixada Fuminense

Minha alma quer iorubá

Quer batuque com mungunzá

Quer ser a picada na mata

Ao encontrar o quilombo

Festivo e reativo

Minha alma é o escombro

Do maldito Império católico português

Que levantou a Eucaristia

Entre tantas agonias

Nas terras do Novo Desmundo

Minha alma é negra

Porque meus olhos denunciam meus ancestrais

Mesmo que um dos meus pais seja branco

Eu sou banto

Malê talvez

Que não quer mais ser refém

Da escravidão geracional

Uma escravidão que ainda é normal

Quando vejo negros no quintal

Lavando cuecas dos brancos

Mesmo sendo a maioria da população

Chegou a hora da reparação

Minha alma quer ter pedigree

LUCIANO DI MEDHEYROS
Enviado por LUCIANO DI MEDHEYROS em 14/05/2025
Reeditado em 09/06/2025
Código do texto: T8332830
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