Poesia para uma tarde

Não vejo flores sobre mesa,

as louças estão sujas de lembranças e os corpos cansados dos meus pais repousam fatidicamente no sofá vermelho.

As cortinas dançam timidamente com o pulsar do vento em suas fibras. E eu fico ali,parado com a taça de vinho na mão, esperando a hora exata de comemorar o que virá.

Mas o que virá? Um monstro gélido, de longas narinas fétidas e garras afiadas para me matar como quem mata um urso em plena selva fria?

Não sei bem. Enquanto isso, nessa tarde morna de domingo,

a taça se sobressai da minha mão e eu ali, parado, esperando o momento do brinde.

Meus pais anônimos no sofá

as louças sujas de lembranças sujas

e eu perdido nesse mar de revolta que faz meu corpo correr em direção desse abismo que se abre sob meus pés.

A tarde se desfaz tal como o amor que não foi correspondido se desfaz no coração de quem se ilude por ele.

O sol vai tirando sua roupa brilhante e se escondendo nas curvas do tempo enquanto a noite, pérfida e linda, vem como rainha imperiosa sobre seus súditos.

Tudo ainda está do jeito que sempre esteve. Eu ali, parado, com a taça de vinho, que se evapora, se tornando um vinagre amargo que invade minha pele.

Não sei se falo algo. As coisas não mudaram tanto assim.

A tarde se esvai como leite que some na boca de uma criança e eu ainda tenho que viver o resto desse dia pelo resto de todos os meus dias. E me sinto tão fraco, tão tolo...

As coisas se refazem num piscar de olhos. Mas nada muda tanto como pensamo que muda. Apenas adquirem novos discurso, novas épocas.

A minha taça se quebra no calor diabólico das minhas mãos.

Meu peito arde em sonhos e a tarde se cala.

Ela não é capaz de me mostrar o que ainda resta pra viver. Nem se posso viver do resto que ela deixa tatuado sobre minha pele.

Valdson Tolentino Filho
Enviado por Valdson Tolentino Filho em 22/01/2012
Código do texto: T3455351