Balada calma de um homem comum
Eu sou um homem velho.
O tempo mutilou meus passos,
mas deixou alguns sonhos guardados
por maldade ou ironia.
Eu sou um homem infeliz.
Entre o cigarro e a metafísica,
eu escolho uma derrota confortável
para meu devaneio matinal
coberto por lágrimas inúteis.
Eu sou um homem nostálgico.
Tenho todos os rostos do mundo,
mas não consigo encarar o espelho
e constatar o que sobrou de um sonho alheio.
Sou incapaz de segurar as cartas antigas
ou mesmo escrever missivas mortuárias
como quando eu imaginava ser quem hoje sou.
Tenho salões enormes para o passado
e quartos pequenos para o que resta de caminho.
Eu sou um homem cético.
Escrevi livros e esbocei sabedorias.
Hoje, passado tempo, eu vejo que tudo que plantei
foi absorvido pelos pântanos que encontrei na vida.
Já não desejo respostas ou mesmo sei formular perguntas.
Meu pensar contínuo fez murchar as flores
e hoje sobrevivo de coletar espinhos.
Eu sou um homem doente.
Sou aquele cujo tempo que resta é fragmento
e o pouco que lega não faz honra aos seus.
Eu sou um homem muito velho.
Meu andar cansado obedece a automatismos
que morte saberá calar os significados.