Dois

Ele a vê da janela, triste e sozinha,

acende a lamparina na escuridão da noite,

escreve sua poesia sob a luz do luar,

inspirado que está naquela silhueta,

talvez uma Frida incontida no recinto,

sem nome, sem identidade, sem verdades,

apenas uma sombra que se move no outro prédio,

um alguém perdido no desencanto como ele...

Ela o vê da janela, triste e sozinho,

mantém a penumbra para obervá-lo melhor,

percebe que ele escreve como um Quixote no abismo,

com moinhos de vento dragonizando em suas paredes,

mito de uma Caverna platônica tão contemporâneo,

sem nome, sem identidade, sem verdades,

apenas uma meia luz marcando seu contorno,

um alguém perdido no esquecimento como ela...

Ele já quis ser Neruda e encantar com suas palavras,

mas desencontrou-se de Pessoa pelo caminho,

e agora a admira como um colibri entre galhos,

na timidez de seus sentimentos mal descritos,

rimas sem adornos ou levezas de uma alma das ruas,

esperando algum milagre que lhe propicie um "Oi",

um café durante a tarde na loja da esquina quem sabe,

para lhe contar anedotas de sua infância esmaecida pelo tempo...

Ela já quis ser Coralina e emocionar à cada verso,

mas desandou o ponto que atava o nó de sua meada,

e agora inquieta-se com o enígma noturno da vizinhança,

na curiosidade de mulher assertiva em seus rumos,

reescrevendo todos os dias seus próprios passos,

esperando que alguma carta brote em sua caixa-postal,

um poema que lhe relembre os romances austenianos,

para lhe fazer crer que ainda é possível sonhar sem medo...