Escape

O dia de hoje é o primeiro dos últimos,

o fim do início que aconteceu há tanto tempo,

a incoerência que bate à porta sem desfaçatez,

entra e senta sem cerimônias,

pede o cardápio de dor e tristeza,

servindo-se do vinho dos mortos,

lembranças de um passado maldito,

recordações de você e eu buscando algo no infinito,

noite após noite,

madrugadas inteiras,

trocas de palavras,

trocas de sentido,

trocas de angústias,

trocas de afeto,

trocas de sanidades feridas,

espíritos caídos no abismo das desilusões,

perguntas sem respostas,

respostas sem encaixe,

perdas sem retorno,

revoltas do fundo da alma,

solidão corroendo o coração,

nada a provar para o espelho,

tudo a conquistar para o destino,

tentando agarrar o vazio como se o efêmero fosse nosso,

tudo se desintegrando na contagem dos segundos,

a vida desidratando sem a fonte da juventude,

a fé se escondendo no fundo de uma caverna sem Platão,

revelando nossa tolice demasiada humana,

nossa fragilidade expurgada das sombras,

nossas lágrimas de fracasso congelando no inverno,

você e eu e ninguém mais para abrir nossos olhos,

ninguém para segurar nossas mãos durante as tempestades,

ninguém para dar um escape à essa existência tão vã...