Dois Julios

São dois Julios que coexistem,

um pela manhã, o Julio matinal, puro, sem máculas,

a não ser por uma ressaca, malvinda porém importante,

já que lembra, a qualquer Julio quem seja,

da sua fragilidade, e do vento a montante.

Sem velas, sem querelas, sem esteio,

sem nada mais que sua, antes imponente figura de proa,

agora uma figura à toa, desinteressante, sem energia para resistir

ao vento.

Apenas algo que se dobra,

que se afoga no mar das emoções restantes.

Mas não é disso que quero (e posso) falar.

Quero insistir na tese, ainda que pese a dúvida,

de que, de fato, dois Julios existem:

um matinal e puro, porém que só faz cumprir o que lhe ordenam,

Julio suposto e preposto, Julio de alguém ou de algo,

aquele que não cria, pois tudo já foi, por alguém, criado

mesmo que pelo próprio Julio.

Outro existe, por suposto, já que afirmo que dois há:

outro noturno, soturno, sem sim ou porém,

total, mortal, atrevido,

que faz da sensação e do sentido,

a razão de insistir em existir,

apesar de pesares e de poréns.

Aquele sem medida,

sem coisa acontecida,

só com futuro, inda que um muro se interponha

entre o real e o desejo.

Aquele que, sem pejo, ousa antecipar

o amanhã possível,

mesmo que o improvável incrível lhe aconselhe

a desistir e dormir seu sonho.

Há dois de mim,

um que cria mas que não me sobrevive,

outro que apenas como junco se dobra

e deixa passar o vento da vida.

Um ousa, outro permanece,

mas de todos a gente se esquece,

se não deixam rastros,

se não convocam debates,

se não ganham a mídia com atitudes

talvez malucas,

por certo suicidas,

já que qualquer ato de vida, no fim,

levará à morte.

Sorte de quem

dividido ou dobrado,

tem dois caminhos sempre,

para escolher (ou ser escolhido pelo acaso).

No ocaso da vida,

não sobrará nenhum.

nem mesmo um Julio para contar a história,

nenhum Julio para refrescar a memória.

Nada sobrará, nada restará, como, enfim

acontece com todos nós:

fotos desbotadas, relatos mal contados,

e nada mais.

Qual julio deverá prevalecer?

Yin, Yang, dia, noite...

Talvez ambos, talvez nenhum,

tanto faz,

já que ademais,

nenhum de fato aconteceu,

ou acontece.

Só a idéia, por vezes sobrevive e permanece,

o resto fenece,

e sobram 21 gramas de produtos químicos banais,

sem carimbo de identidade, sem história.

Um bebe e fuma,

outro é careta,

são dois, são o mesmo, são nenhum.

Nenhum é santo, ambos não são pecadores.

e todos são você,

que me lê ou me ouve:

somos todos iguais, e somos um

( talvez nenhum )

só!