Os cães ladram e a minha caravana passa
Os cães ladram e a minha caravana passa
Enquanto eu me deleito e chafurdo nos meus defeitos
Enquanto me dopo com meu ópio, sorrio com o frio que faz lá fora
Enquanto me arrisco com a roleta russa que teimo em desafiar
Enquanto, por enquanto não acredito na palavra azar
Não sou tolo de acreditar que o mundo irá acabar
Acaba pra quem fica ouvindo os cães a ladrar
Pra quem fica só vendo a caravana passar
Não adianta ritual, mapa astral, desejar o bem ou o mal
Meu negócio é provar do meu próprio próprio veneno
Aliás, passar dias e dias bebendo, me embebedando
Enfrentando as sanguessugas e os curandeiros que me oferecem cicuta
O meu mundo é descortinado, o que odeio deixo em cabides pendurados
Os grunhidos, os gemidos, o ranger de dentes
A boca da noite engolindo muita gente
A caravana que não para, os forasteiros que mendigam um cantil com água
Sou homem, sou lobisomem, sou bicho que devora e come
Não vivo a correr atrás do próprio rabo, com cara de choro
Sou humano, mas nem por isso sou melhor que um cachorro
Acabou de passar uma caravana, mas o cães não ladraram
Estou dentro dela, vou seguindo sem nenhum alarde
Abutres de plantão, nem adianta correrem atrás, já tarde
Jonas Luiz
São Paulo, 05/03/18