A LUGAR NENHUM

Eu tinha alguns poemas guardados num baú,

quase uma caverna de escritos,

junto alguns desenhos de adolescente,

o primeiro guardanapo com um beijo da primeira namorada,

um cabo de guitarra,

o filme de Chaplin,

quando olhei pela janela vinha vindo uma tempestade,

avançando sobre todas as coisas,

só deu tempo de sair correndo,

a água em fúria levou tudo,

hoje não tenho mais nada dessas lembranças,

estou aqui,

à beira da estrada,

de pé, parado,

pegando carona para lugar nenhum...

Eu tinha a mulher ao meu lado, minha companheira,

Alice, dois filhos e uma filha,

todos pequenos,

comíamos à mesa olhando uns nos olhos dos outros,

ríamos sem motivo algum, é gostoso rir,

contávamos mentiras imaginadas,

eram como histórias,

abraçava-mo-nos todos os dias,

esqueci, tinha o Nauta, o cachorro,

saíamos à passeio com ele,

um dia veio a guerra e a fome,

nossa casa foi tomada pela guerrilha urbana,

balas perdidas ceifaram três vidas,

hoje não tenho mais essas pessoas,

estou aqui,

à beira da estrada,

de pé, parado,

pegando carona para lugar nenhum...

Sobrou esse poema amassado,

que leio agora a vocês,

depois vou jogá-lo fora,

espero que em algum lugar

haja um lugar para mim,

eu, que estou aqui,

à beira da estrada,

de pé, parado,

pegando carona para lugar nenhum...