NESTA CIDADE
Nesta cidade sabem falar 3 línguas
Luxo inútil como um sexto dedo
Todas as noites vejo gente a afundar
Perdido nas pessoas e na bebida
Sem que ninguém as entenda.
Nesta cidade há exércitos infatigáveis
Sofrem, cansam, só de boca
Esperteza saloia.
O único esforço que dispensam
É evitar canseiras e trabalhos
Que o salário não se conquista, mas ganha-se.
Nesta cidade há referências e modelos
Heróis de jornal, prefabricados
Breves chamas expostas aos cuscos,
Uma rajada de vento
Escolhem logo outro filho
De um outro casamento em seu detrimento.
Nesta cidade abriu uma botique
Para vestir os despidos de discernimento
Fé das aparências
Preocupação disparatada, fome de vento.
Não sabem nada
Não sabem o que dizem nem o que pensam
Julgam ser o que aparentam.
Nesta cidade há uma escada
Desenhada numa parede inclinada
Para todos os que tentarem conseguir,
Poderem tentar, sem poderem subir
Uma esperança estéril, inacessível
Engole-a antes de ver a tinta se apagar.
Nesta cidade há um clube de justiceiros
Lagartos, lobos e cavalheiros,
Jogam cartas a seu prazer
Apostam para perder.
Gritam palavras de luta e união
Só se lhes favorecer a rebelião.
Nesta cidade que me viu crescer
Fedem as leis e o novo saber
Sinal que os tempos mudam
Só para quem a verdade não procuram
Contudo estará para sempre esperta
Tal e qual a morte é certa.
Miguel Lopes
LXXXII