Que gosto tem

 

 

O garoto, cansado por ver o pai,

Consumir-se, destilar-se, dissolver-se,

Como pão em água, nos bares da vida,

Impotente diante do descaso,

Por sua vida e da família,

Abandonados à própria sorte,

Sem saber o que fazer, pergunta aflito:

---Pai! Que gosto tem a maldita cachaça?

Por que ela merece mais sua atenção,

Do que a minha e de meus irmãos?

Por que ela rouba nosso sustento,

Nosso futuro, nosso afeto?

 

O pai teima em vão, ficar em pé,

Sustentar-ser no imponderável,

Equilibrar-se nas pernas bambas,

E responder altivamente ao filho.

Olha a figura disforme à sua frente

Ver o menino multiplicar-se,

Diminuir, agigantar-se e

Nada responde, não consegue...,

Quer ir pro resto de sua casa,

Juntar-se aos farrapos da família,

Que pensa não ser sua, mas que espera por ele.

Joga-se no catre imundo e dorme...

 

No dia seguinte, quase meio dia,

Ante o olhar expectante da família

Humilhada, destroçada, pedinte...

Cansada de esperar um gesto nobre:

Ato simples de ser pai, chefe de casa...

Ele crendo ter sonhado com o juizo final,

Sendo indagado de sua condição pessoal,

Olha assustado, o filho, e responde:

Tem gosto de morte, a cachaça,

Sou seu escravo, roubou-me a vontade,

Matou minha auto-estima,

Sou um verme ambulante.

 

Filhos! Há salvação, ainda, para mim?

Silenciosamente, sem saber o que dizer,

Um a um, os filhos o rodeiam e o abraça

Abraçam forte e longamente.



 

Poemas da série sobre saúde, leiam nesta página:

 

1-- Amante latino  (dengue)

2—Apaixonante coração    (hipertensão)

3—Vestido para viver     (vida saudável)

4—Sou maçã Tu és pêra   (obesidade)

5—Não sede otário   (sedentarismo)

6- Não encha a Queca     (enxaqueca)

7- (Tristes) Variações em DÓ    (depressão)

8- As mãos  (higiene)

9- Defumados  (fumo)

10- Era da boa (álcool)

11- Um dia depois dos outros

12- O ruminante

13- O espantalho

14- Que gosto tem   (álcool)