Dona Maria

Dona Maria chora mais uma dia

A morte da sua cria

E no velório à luz de vela

Ninguém liga para ela

Ela mora na favela.

Ela não tem família

A favela é uma ilha

Cercada de armadilha.

Ela não sai em coluna social

De nenhuma revista ou jornal

Só em página policial

No papel de mãe de marginal.

Enquanto isso lá no Congresso ou no Senado

Cada senador ou deputado

Suga o povo mal alimentado

Mal educado e bem explorado.

E as donas Marias

Vão vivendo os seus dias

Sem muitas alegrias

E na hora da refeição

Só têm arroz e feijão

Porque o salário é uma humilhação

E a mistura sobre a mesa

É uma taça amarga de tristeza.

Noutra mesa o pó se espalha

Branco ou escuro na seda se embaralha

E sobe para a mente de um canalha

Que abre a boca ou encosta o nariz

Pensando que assim será feliz

Querendo ver a morte passar por um triz

E elevando a adrenalina

Não vê sua vida descer pela latrina.

Noutra mesa se discute o valor

Do prêmio entre corrupto e corruptor

Em troca de um ambicioso favor.

Nem ocultam sua desonestidade

Crentes na força da impunidade

Que é maior que a justiça da humanidade.

E assim, quem leva uma vida sem pé

Só pode firmar-se mesmo é na fé.

Enquanto a mídia se alimenta do sangue exposto

Alguém em algum lugar leva um tiro no rosto

Corre, mas não tem médico no hospital ou no posto

Porque não importa a quem controla o capital

Ser o povo saudável e intelectual

Para não ameaçar sua posição privilegiada

Em uma vida tão desnivelada

Mas a morte leva quem tem tudo e quem tem nada.

Mas dona Maria não liga para essa gente

Ela só vive sua vida de indigente

Chorando a morte de mais um parente

Jogado no esgoto a céu aberto

Como um cadáver no meio do deserto.

Ela não paga ao Estado, nem pelo senso é conhecida

Não sabe que existe e é apenas mais uma vida

Ela só se preocupa em amenizar as dores de sua ferida.

Cícero – 07-07-03.

Cícero Carlos Lopes
Enviado por Cícero Carlos Lopes em 08/09/2012
Reeditado em 06/05/2015
Código do texto: T3872055
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