O empecilho
Ainda era madrugada
Acordou e se preparou para o trabalho
Pegou a marmita bem tampada
E pôs na bolsa a tiracolo junto ao baralho
Para jogar com os amigos no almoço.
Ovo, feijão e arroz
Na marmita era o que tinha
O trabalho não podia ficar para depois
Desceu o morro para a rotineira ladainha;
A caminhada era longa.
Beijou mulher e filhos esperando voltar
Tomou a condução
Que o levaria próximo ao serviço
A construção estava por terminar
Mas os perigos
Eram como espinhos de um ouriço.
As ruas já movimentadas pela manhã.
Não chegou a trabalhar naquele dia.
Aliás, jamais trabalharia.
Não veria filhos, mulher e irmã.
Morreu no tráfego. Tornou-se empecilho
Para os carros, para o público
Não era um simples andarilho
Mas era nada na vida, no lúdico.
Tudo voltou ao normal
Seu caso foi esquecido
Aliás, jamais fora lembrado
Pois não exercia papel social
Onde predomina a ambição
Da omissão de um tempo perdido.
Cícero – 26-11-93