MEDO!!!...

Nunca fui um dia covarde

em toda minha mocidade.

Cansei de sair sem ter medo

enfrentando a tudo e todos

sem medo de ser feliz.

Hoje, me sinto acuada

com a desconfiança no olhar.

Saio na rua assustada

olhando pra todos os lados

com medo de ser assaltada.

Desconfio até da sombra

que me segue sorrateira

Será um bandido?

Será pessoa normal?

Que será ele afinal?

Tenho dúvidas de tudo e de todos

sem poder e querer apurar.

Pois até a pessoa simpática

com um sorriso nos lábios

sentada bem do meu lado

pode tentar me matar.

Nas escolas não mais se aprende

a falar o be-a-bá

as crianças de hoje já sabem

tudo que é nome de arma

e a destruição que ela faz.

Sinto vergonha de mim

Por não poder fazer nada.

Sinto vergonha do povo

que aceita a tudo calado.

Fico triste, decepcionada

por ver que minha cidade

antes tão maravilhosa

se encontra entregue às moscas

em quase uma guerra civil,

sem que o governo mova palha

pra solucionar o dilema.

Polícia passa batido

e se vê algo errado, se esconde

com medo de ser atingido.

Outros preferem o dinheiro

o famoso "cala-boca"

que completa seu salário

chegando a matar sua fome.

Me sinto presa, amarrada,

aterrorizada que estou

aqui, bem dentro de casa.

Tiros ecoam estridentes

em rajadas ou som oco, com ecos

como que vindos à esmo

saindo de tudo que é lado.

Sons de bazuca, escopeta

pistolas, fuzis e granadas

pipocam, fazendo um alarde.

Onde acontece?

Não se sabe... Ninguém sabe...

Um silêncio enorme acontece

de formato sepulcral.

Olho pro céu numa súplica

vejo as luzes verdes passando

tal qual estrelas cadentes.

Só que são balas traçantes

numa velocidade escaldante

saídas de uma AR-15.

Sirenes que passam

não sei em que direção...

Aumentando o pavor que me envolve,

agitando meu tormento

sem saber o que ocorre

sem saber o que é que há.

Meus filhos, ainda na rua

completos à merce do perigo

um arrepio na espinha

intensifica a agonia.

Não posso sair, nem quero sair...

Me apavoro...

Me sinto completamente perdida,

com o terror fudamentado

refreando os meus passos

me impedindo de andar.

O medo está presente no ar

nas pessoas que me cercam

no corre-corre diário

nos olhares estarrecidos

escondidos, em todo lugar.

Algo tem que ser feito!

Algo tem que mudar!

O medo tem que acabar.

Não quero sair correndo

que nem maluca, no meio da rua,

fugindo de um tiroteio

de seres encapuçados.

Não quero mais ir a enterros

de pessoas inocentes

mortas por balas perdidas

ou por reagirem em assalto.

Não quero saber que crianças

que cresceram com meus filhos

hoje estão encarceradas

por usar ou vender drogas.

Não quero saber que mães

que encontrava no mercado

hoje se encontram sozinhas

sem o seu filho ao seu lado.

Não quero saber de amigos

que adoravam viver a vida

hoje, se encontram inválidos

em uma cadeira de rodas.

Não quero mais ter medo

vendo o dia amanhecer

por que meus filhos sairam

e ainda não chegaram em casa.

Não quero mais ser um alvo

de seres desocupados.

Não quero mais me sentir cúmplice

por ficar silenciada.

Não quero mais esta vida

que só provoca tensão.

Não quero mais ter que temer

nem viver sobressaltada.

Sem o suor frio escorrendo

quero de volta minha paz

meu sossego bem sentido

reencontrar liberdade.

De voltar a andar bem solta

pelas ruas da minha cidade

sentindo o vento bater

calando o calor do sol

como um carinho gostoso

afastando a sujeira trazida

no romper da madrugada.

Por favor, devolvam minha PAZ!

Neli Neto

11.11.04

00:14hs RJ