Seleção do Autor: 11 poesias sociais

PERPLEXIDADE

árvores desarvoradas se desenterram

folhas mortas de cansaço

do fundo da terra brotam larvas floridas

ervas daninhas se alimentam do caos

o leão de pedra devora o escultor

a plebe ignara ignora boa conduta

assassinos elegantes se indignam

pássaro de lata rompe as nuvens

pássaros de penas voam sem olhar as asas

tiranos fazem planos

todos querem seu quinhão

o ribombar do canhão ecoa

conspiração!

POESIA À PROVA DE BALAS

Não usarei colete à prova de balas,

pois a poesia é o meu escudo,

rifles, espingardas, pistolas,

e revólveres não resolvem, nem revolvem

o amor que a poesia dissemina,

não espantam quem tem

as palavras lúcidas,

de afetos e lúdicas.

Não fugirei de medo, pois a poesia

é coragem, defesa de quem preza a vida.

Metralhadoras, submetralhadoras, tanques

não estancam poemas, dádivas da criação.

Já vivemos tempos ásperos n'outros tempos,

que retornam camuflados em sorrisos,

mas, ato falho revelam ódios, escárnios.

Nossa força, encarnada em versos mágicos

desvia balas, que ricocheteiam

em direção aos paraísos fiscais.

A poesia não é mercadoria, moeda de troca, jamais.

O poema não é neoliberal,

Poesia é vida no sentido literal

MERITÍSSIMO

abaçada nomenclatura

de idiossincrática figura

[outrora capitão-do-mato]

ao retirar a toga beca

gravata e cueca

não tinha o domínio do fato.

patético meritíssimo transigia

ao sentir a dor da disuria

[momento de carantonha]

mira o vaso sanitário canhestro humano

em prolixa descomunal litania

de escandalizar catrumano

RUMORES

faca de dois gumes

quando cega

não corta legumes

cuidado minha nega

se o efeito te pega

a cabeça dança

os olhos balançam

: menina

o vaso que se quebra

no limiar da janela

sob o lumiar da vela

incendeia a cortina

na estrada o estrondo

dilacera talebãs

debaixo dos escombros

do edifício incongruente

dormem vilões e inocentes

mundo nas mãos

mudos corações

refletem anseios desconexos

conectando semblantes perplexos

peregrino persegue prossegue

em seu fundamentalismo banal

o neoliberalismo consegue

impor seu fundamentalismo fatal

afagar afegões e afegãs

com missas massas e mísseis

tênues lágrimas incendiárias

internam-se em fundas fendas

ferindo feras centenárias

trilhando trilhas herméticas

encarquilhados trapos visionários

talham desenhos antagônicos

revelando suas metas fanáticas

agitadas mãos sobre a tela

traçam riscos histéricos

a caneta rompe o papel

outrora tronco outrora vegetal

num cálculo matemático

VALE

A Vale

outrora do Rio Doce

era nossa.

Hoje só vale

promessa nos comerciais.

Vale,

vala comum

de lucros colossais.

Vale,

vela volátil

valha-me Deus,

muitas velas para poucos uns

breu e bruma para muitos alguns.

Vale,

verso versátil...

não vale a pena verso

para vale adverso

valeria se vale fosse

do Rio Doce.

Fosse nossa

não seria vale de lágrimas.

Vale cada vez mais

verde covarde

amarelo sangue_

suga os recursos naturais

PELE NEGRA

quem tem a pele negra

verdade seja dita:

sofre de preconceito de nascença

esta é a regra

no emprego o branco tem preferência

quem tem a pele negra

sejamos francos:

o negro se desespera

na disputa com o branco

a mulher sendo negra

sejamos sinceros:

sofre mais discriminação

inclusive dos parceiros

lógico, com exceção

sendo negra a criança

há quem duvide disso?

sofre bulyng sem perdão

perde a esperança

de tornar-se pleno cidadão

quem tem a pele negra

sabe bem da sua dor

e onde mais sangra:

a maldade do opressor

a porta que se fecha

o machuca como flecha

quem nasce com a pele preta

com um sorriso branco na boca

não se curva nem se aboleta

nem se esconde dentro da toca

levanta a cabeça e vai à luta

quem tem a pele negra

tem a ginga e a manha

aprendida à duras penas

nas tardes noites e manhãs

segue lutando pelo seu ideal

pelos direitos humanos

e pela igualdade racial

O MAR DA HISTÓRIA

O mar da história segue

sangra...

Quem tem carta debaixo da manga

ladra no silêncio noturno.

O cruzeiro do sul

indica o norte aos piratas pirados

jamais parados sob céu azul.

Desnorteia os mísseis e os missais

dos lobos em peles de cordeiros...

Pobres lobos

animais ordeiros

seguem seus instintos

enquanto os distintos

do topo da pirâmide social

saqueiam pobres mortais...

E os piratas pirados acendem a pira paranoica

para harmonizar todos os quintais...

O mar da história segue

seu curso rompendo ondas

deixando um rastro de sangue

com a sua desvairada lógica

rumo aos campos de petróleo...

do pré--sal

POESIA RIMA COM DEMOCRACIA

cidadão ou cidadã

seja você quem for

numa noite ou manhã

responda-me por favor

se elas forem frias

é mais útil um cobertor

ou mil poesias?

bom mesmo seria

todas as coisas juntas

com essa tal democracia

lutarmos contra quem afronta

com a cara da hipocrisia

unidos cobrarmos a conta

e termos comida e poesia

PEQUENINOS CARVOEIROS

Silencia minha alma, coração,

como faz o vento ao balançar as folhas de árvores centenárias,

levando sossego às raízes.

Quero o silêncio das aves migratórias,

quero a paz dos corações bondosos

e dos amantes reconciliados.

Silencia minha alma, coração,

as respostas não cairão do céu,

para perguntas inviáveis.

Deixa o barco seguir o curso do rio,

mas como dói ver crianças com olhinhos de fumaça,

rostinhos de carvão

NÃO DESISTAM DA POESIA

"Realmente, vivemos tempos sombrios!

A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas

denota insensibilidade. Aquele que ri

ainda não recebeu a terrível notícia

que está para chegar".

(Betold Brecht)

Vivemos dias obscuros. Obscenos.

Corações plúmbeos. Pulando obstáculos,

para não cair nas garras do ódio!

Correr atrás do pão de cada dia.

A prioridade é alimentar o corpo.

Mas como saciar a fome e a sede da alma?

Poesia não enche barriga,

dizem os de barriga cheia.

Não desistam da poesia. Ela é uma barricada contra

a fome dos bárbaros,

que não a vê com bons olhos.

Sem poesia a alma seca,

os desejos, mesmo os mais humildes não se manifestam.

Aos humilhados o que resta é a servidão.

As sobras das sobras dos banquetes de gente perversa,

que é a sobra do que sobrou dos capatazes da elite.

Não desistam da poesia. Ela é companheira

dos indignados. O alimento necessário à luta por transformações.

Não desistam, pois é isso que um por cento da população quer,

apoiada por seu séquito de capachos.

Está ouvindo tiros? Ouve o grito dos desesperados?

Quem morre e quem vive, eis a questão.

Quem ganha e quem perde nestes dias sombrios...

SEGUNDO MANIFESTO

O novo se apresenta

Traz no bornal ideias velhas

Pneu recauchutado

Ovelhas se deixam tosar

O velho rebelde olha de viés

O novo é o velho mandatário das companhias hereditárias

Vem com seu sorriso falso em mensagens virtuais

Sofista com tecnologia moderna

O mesmo profeta do apocalipse em 4g

Sofisticado e sedutor

A corromper cérebros

O novo velhaco se apresenta

Não traz espelhos

Vem com smartphones

Fibra óptica

Playstation 4

Porque tv ninguém mais aguenta

O velho rebelde não se deixa enganar

Olha de viés e lhe mete os pés na bunda

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