Última viagem do trem suburbano

Hoje, 13 de fevereiro de 2021, o trem ferroviário recolhe os últimos corpos. As portas emperradas da locomotiva se fecham para sempre...

Vai despejando famílias, fechando encruzilhadas com tapume,

silenciando o mar de marisqueiras e das casinhas nas encostas...

Estão proibidos vendedores de peixe, picolé, bolinho de carimã, água mineral, sonhos e esperanças...

O trem descarrila as pernas finas de José, as sandálias de dona Lindu, as mãos calejadas dos mestres e mestras de nossas memórias...

O trem segue desgovernado, aos solavancos, derrubando muretas, telhas de Eternit, deixando goteiras e lágrimas de saudade... Pelo caminho, destrói casebres, sub empregos, utopias...

Os trilhos rangem e a luz vermelha sinaliza parada obrigatória, não importa o sangue dos ferroviários, o suor da espera na estação.

Sem velas, sem velório, a estrada de ferro se enferruja e é sepultada.

Os trilhos se fecham como ostras, vomitam moedas de cinquenta centavos,

sua fome agora custa quatro reais e vinte...

É preciso abrir caminho para a modernidade, para o trem que voa feito borboleta. Mas nele não cabe pobreza, não cabe negritude, não cabe ancestralidade.

Valdeck Almeida de Jesus
Enviado por Valdeck Almeida de Jesus em 23/02/2021
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