ANDO PELA VIDA PENSANDO NA MORTE
No bolso trago sempre uma vela,
Ando pela vida pensando na morte,
Vivo numa “comunidade”, antigamente favela,
E se prossigo vivo é por pura sorte.
Mudar-me de lá um dia hei,
Moro da “boca de fumo” bem rente
Na linha de tiro entre o “tráfico” e a lei,
E a morte não me sai da mente.
Meu barraco é varado de bala,
De tão arrombado já nem tem porta,
Não mais me abriga e ninguém me ampara,
Sou homem de bem, mas quem se importa?
Minha mulher já se foi, morta.
Um tiro no peito sua vida tirou.
“NA PORTA DA BOCA AMANTE DE TRAFICANTE É MORTA”,
Foi a manchete que no dia seguinte o jornal estampou.
Notícia idiota, mentirosa, oca.
Pra verdade ninguém ligou:
Na porta da boca
Fica o barraco onde ela morou.
“Na porta da boca de fumo”,
Bem defronte, ficava o seu lar.
No dia da morte era pra lá o seu rumo,
Voltava pra casa depois de trabalhar.
E eu falei, gritei, esbravejei,
Que minha esposa não era do mau.
Que era uma mulher de bem.
Mas tudo se misturou num mesmo carnaval.
Viver na favela é aviltante.
Sendo mulher é puta,
Sendo homem é traficante,
Não importa seu trabalho, sua luta.
Sim, carrego comigo uma vela,
Que acendo sempre que vejo
Um defunto esticado na favela,
Mas não rezo, só praguejo.
Praguejo contra a hipócrita sociedade,
Que não respeita uma vida pobre, mas honesta,
Que acha que pobre não tem dignidade,
Que pobre, só por ser pobre, não presta.
Pra polícia é matar e de bandido rotular,
Honestidade de pobre ninguém atesta.
E em cova rasa o defunto enterrar,
É pra família do pobre o que resta.
E foi o que me restou.
Enterrei em cova rasa minha consorte
E agora ando pela vida pensando na morte.
Hegler Horta
Hegler Horta
Enviado por Hegler Horta em 02/12/2005
Código do texto: T80176