*******Canto XXVIII – Riqueza que não se reparte

No chão que brota abundância,

O povo colhe escassez.

Há ouro em cada distância,

Mas fome em cada freguês.

Brasil de faces tão ricas,

Mas de bolsos tão vazios,

Carrega esperanças místicas

E sonhos que viram rios.

Terras vastas, braços fortes,

Rios cheios, céu a brilhar...

Mas quantos seguem sem sortes,

Sem ter onde repousar?

A riqueza está cercada

Por muros e por fronteiras,

Enquanto a dor espalhada

Parece eterna bandeira.

É um país multifacetado,

Mas desigual no viver.

Tem palácios lado a lado

De barracos por sofrer.

Uns têm tanto que desperdiçam,

Outros vivem de migalhas,

E as promessas que profetizam

São bandeiras sem batalhas.

O passado não se apaga:

A escravidão ainda pesa.

A cor da pele é uma chaga

Na estrutura da tristeza.

Quem é pardo, preto, indígena,

Sente a desigual razão

De um país que se resigna

A manter a divisão.

O que vale a abundância

Se não chega ao cidadão?

O que é a bonança

Se não vira inclusão?

É tempo de repartir

O que foi sempre negado:

Não só o pão a consumir,

Mas também o chão sonhado.

É triste ver tanto acúmulo

Sem justiça a equilibrar.

O Brasil, em seu tumulto,

Custa a mesa igualar.

Enquanto poucos se banham

Na fonte do privilégio,

Muitos seguem e se embrenham

Num cotidiano exausto e sério.

Mas há força nesse povo

Que resiste e que semeia.

Mesmo em campo tão oco e novo,

Ainda planta a sua ideia.

E se a pátria não acorda,

A poesia é despertador:

Grita alto, bate à porta,

Reclama vida com valor.

Brasil não quer ser espelho

De um passado tão cruel.

Quer justiça em cada conselho,

Quer futuro mais fiel.

Não se mede uma nação

Pelo luxo de sua elite,

Mas pela justa condição

De quem nela vive e habite.

País rico que se cala

Diante da própria dor,

Precisa ouvir a fala

De quem sofre sem rancor.

Porque é na partilha franca,

Na justiça bem vivida,

Que a riqueza vira âncora

De uma pátria repartida.

Que se quebre essa corrente

Do acúmulo sem razão.

Que o Brasil se faça gente

Com mais pão, mais coração.

Que riqueza seja ponte,

E não muro de exclusão —

Para que do sul ao norte,

Seja próspera a nação.