ELUCUBRAÇÕES

Quem és tu que entras devagarinho

E te apossas de minh’alma de mansinho

E me apertas o peito em gelado abraço ?

Quem és que, nestas longas madrugadas,

De olhos fantasmagóricos, sem alvoradas,

Me estreitas a mão nas tuas mãos de aço ?

Quem és tu, se me ocultas, sistemática,

Essa forma metafísica e estática

Dos perfis invisíveis e desbotados ?

Que sombra te oculta, hígida e atroz,

E silêncio terrível te amordaça a voz,

Nesse sepulcro tosco e não caiado ?

Quem és tu que, anônima, te revelas

Nos bruxuleantes fachos de acabadas velas

E na escuridão total que te impôs a luz ?

Quem és, substância poderosa e gigantesca,

Que não enxergo a tua beleza grotesca,

Nem se me afigura o halo que te reluz ?

Por que me escondes a tua abstrata essência,

Deixando-me, assim, longamente essa demência

Da busca impossível de te ver por fim ?

Qual cáos, qual vácuo é esse a que me prendes

O peito sofrido, indormido, que não entende

Porque me rondas e fascinas assim ?

Quem és que me crucificas o raciocínio

Mo matando num monstruoso assassínio

E ainda me procuras outras vezes mais ?...

Sem saber tua cor, a forma, o cheiro

Perco-me na irracionalidade, por inteiro,

Nessas sofridas elucubrações mortais.

mreno
Enviado por mreno em 13/04/2005
Reeditado em 21/03/2007
Código do texto: T11168