ELUCUBRAÇÕES
Quem és tu que entras devagarinho
E te apossas de minh’alma de mansinho
E me apertas o peito em gelado abraço ?
Quem és que, nestas longas madrugadas,
De olhos fantasmagóricos, sem alvoradas,
Me estreitas a mão nas tuas mãos de aço ?
Quem és tu, se me ocultas, sistemática,
Essa forma metafísica e estática
Dos perfis invisíveis e desbotados ?
Que sombra te oculta, hígida e atroz,
E silêncio terrível te amordaça a voz,
Nesse sepulcro tosco e não caiado ?
Quem és tu que, anônima, te revelas
Nos bruxuleantes fachos de acabadas velas
E na escuridão total que te impôs a luz ?
Quem és, substância poderosa e gigantesca,
Que não enxergo a tua beleza grotesca,
Nem se me afigura o halo que te reluz ?
Por que me escondes a tua abstrata essência,
Deixando-me, assim, longamente essa demência
Da busca impossível de te ver por fim ?
Qual cáos, qual vácuo é esse a que me prendes
O peito sofrido, indormido, que não entende
Porque me rondas e fascinas assim ?
Quem és que me crucificas o raciocínio
Mo matando num monstruoso assassínio
E ainda me procuras outras vezes mais ?...
Sem saber tua cor, a forma, o cheiro
Perco-me na irracionalidade, por inteiro,
Nessas sofridas elucubrações mortais.