O Duende Cinzento
I
Eu procurava sombra à hora da sesta,
Foi quando o céu ficou sem Sol nem Lua
E eu me encontrei à pura sombra nua,
Que atrás de toda luz é só o que resta.
Eu caminhava por escura rua
Cercada por negríssima floresta.
O Silêncio me disse: “Nada resta”,
E eu li na Sombra as letras: “A alma tua”.
Estando então em meio ao Nada brando,
Eu não sentia dor nem alegria,
Sereno e melancólico ia ficando…
Então tornou-se verde o céu que eu via,
De um cemitério as grades fui visando
Para adentrar no meu último dia.
II
Após adentrar
Os negros umbrais,
Senti-me acordar
De sonhos mortais,
E à volta o negror
Tornou-se terror.
O verde nublou-se
Em formas cinzentas,
A rua mudou-se
Em pedras poeirentas,
E aos flancos, terríficos,
Ciprestes magníficos.
Um vulto furtivo
De trás de alto tronco
Surgiu, muito altivo,
Mas franzino e bronco,
Com tocha queimando
E olhar negrejando.
“Tu deves partir”,
O Duende Cinzento
Me diz sem sorrir.
O gélido vento
Me bate na noite
Igual a um açoite.
Por entre os ciprestes
Desse álamo antigo,
“Vós sempre tivestes
Um grande inimigo,
Que não vos ofende.”
Reclama o Duende.
A cálida Lua
Num lúgubre brilho
Reflete na nua
Estrada em ladrilho.
“Para onde me levas
No meio das Trevas?”
O Duende responde:
“Tu vês uma estrada
Que leva para onde
A deusa do Nada
Te espera de guarda
— E a todos aguarda.”
Eu paro e reflito
E junto a coragem
Que entra em conflito
Com minha voragem
Que é fruto do medo
Que veio mui cedo.
Na mente que tenho
Ainda serena,
Eu junto o empenho
Ao que ele, sem pena:
“Não faças as malas;
Não podes levá-las.”
“Homúnculo, explica!
Eu amo a Natura,
A Vida mui rica
A qual essa impura
E tétrica Morte
Já quer que eu aborte!”
O Duende parou.
De rude soslaio
Paciente me olhou
E, ao brilho de um raio,
Sentou-se no chão,
Entoando a canção:
III
Vida e Morte é tudo nome,
Como Sorte
E Destino.
Se o felino a presa come,
Vive a Morte e a Vida some.
Vida e Morte não se alcança,
Como Norte
E Oriente.
Se o doente a Vida cansa,
Morte é única Esperança.
Vida e Morte são só uma
Deusa forte.
Faz, desfia
— Vida cria, como espuma
Que se espalha, e Morte arruma.
Vida ou Morte, não importa.
Quem se importe
Não se olvide
Que reside em cada porta
O poder que abre e aborta.
Chama-a então de Morte ou Vida,
Mas em vão,
Que ao Universo
Nenhum verso o apelida
Sem causar-lhe uma ferida.
Pois, desiste, Morte ou Vida
São a triste
Insistência
De a existência ter mantida
Da verdade e sua mordida.