UM BEIJO DE VINTE ANOS
Vinte anos idos.
De todos, nada sei,
dos muitos, pouco sei;
amanhã, quem sabe, saberei
da recatada timidez
dessa criança envergonhada
pequena e descomposta em tão pouca nudez.
Que me salvem o berço
que me salvem as mantas
a camisa de pagão com a qual me batizei,
que me salvem as bênçãos
que salvaram meus pais
quando por mim rezavam sem separação
Vinte anos idos.
Esqueci falsos amores
mas não mentirei os calores
quando, ontem, um grande ardor
afogueou meu coração aos vinte
por mais que o amor cresça em idade
a falta do relógio configura o tempo da paixão.
Que me salvem em álbuns
que me salvem em espelhos
e o dedo oleado na deficiente identidade,
que me salvem os namorados
que salvaram meus bailes
quando comigo dançaram em desunião.
Vinte anos vividos.
Vinte e poucos, eu sei!,
o tempo, coitado, só saberá
se o atestado resolver revelar
que morri por inexperiência
ou por total insuficiência da idade,
comprometendo os batimentos do encontro.
Que me salvem as ânsias
que me salvem as fragrâncias
dos cheiros sem asco guardados pelo hálito,
que me salvem os respiros
que salvaram os beijos
aguardados aos vinte anos de idade.