PEÇA SEM NOME

É uma peça sem nome…

no palco

estrutura frágil

montada sobre alicerces de vidro

um homem e uma mulher

discutem

num antagonismo cortante

a eterna disparidade dos seres

a cena

é iluminada exiguamente

pelos diálogos irónicos

mordazes

paupérrimos de luz

pelo chão

ladrilhado de mágoas

flores pisadas

murchas, sem cheiro

ao lado

uma cascata de ilusões

seca e calada

ferida aqui e além

a golpes de ruptura

e ao fundo

numa pintura surrealista

sonhos amputados

flutuam perdidos

num mar de frustração

De súbito, o insólito…

as flores

ganham viço e aroma

inventados pelas personagens

toldadas

pela ânsia de serem felizes a todo o custo

ainda que ilusoriamente

da cascata

a água irrompe

límpida e cantante

na perspectiva fantasiosa

dos seus olhares cegos

em negação da realidade

e a pintura surrealista

castradora e depressiva

é assimilada pacificamente

como uma obra de arte

de rasgo estranho

não entendível

Duvido do êxito desta peça…

mas…

os actores

numa atitude masoquista

recusam-se a abandonar o palco

insistem

em representar o absurdo

(In "Memorando de Fogo")

Carmo Vasconcelos
Enviado por Carmo Vasconcelos em 02/05/2005
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