As estimas de antonho

Ali alçado ao cruzamento

Das ruas vazias que se encontravam,

Sereno olhava o solo cinzento

Quanto ás pedras que lhe arfavam.

Um vento seco e rasteiro,

Que só às folhas levantava,

E fugia sorrateiro,

Pelas sombras que bifurcava.

Não houvesse quem lhe conhecesse

E explicar-lhe sua intuição

Ingênuo estava do que lhe acometesse

Delirante demais, para saber-se ilusão.

Há horas o Sol lhe acompanhava

Ali lançado, em espelhos quebrados,

Pelo fundo da lente que se embaçava

Pelos vidros das casas, refratados;

Só um ponto a luz não lhe alcançava:

Nos secos sonhos à noite delineados.

Aquela constância tomou-lhe a essência

E viciou-lhe os olhos, afundados,

Presos agora á deficiência

Dos átonos versos, inalterados...

As ilusões que lhe guiavam

De vôo partiram há tão distante,

E só lacunas delas ficaram

Nas lembranças do pensador amante.

Longos dias se passaram,

Talvez segundos para seu sonho,

Mas as máquinas enferrujaram

As de ora, as estimas não são de antonho.

Seus pés se enrugaram

E a alma vê-se em barro, esmorecer

Seus braços se encurtaram

E seu acolho incapaz de o defender,

Da vida que seus anseios já deixaram

Da morte que seu corpo busca conhecer.

Impotente ante si mesmo,

Devorado á realidade,

Lá sobre o alpendre, mira ermo

Quão funda a rua, tal sua âmaga verdade.

Um impulso das mãos marcadas

Com o fado de um dia despedir-se,

Lhe dá as forças, as únicas encontradas

A rumar ao fim de tudo quanto disse.

E esmagado ante o punho de firmeza

Se cobre agora com as roupas que herdou,

Uma túnica preta, e sutileza

Além da nua face que se estampou,

E ali, jogado, ao enterro de sua incerteza,

Não vê a sombra que lhe observou:

A noite, não mais acesa

Ou no ponteiro, uma hora que a mais passou...

Vitor Barros
Enviado por Vitor Barros em 05/05/2006
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