POR FAVOR, DEIXE-ME VIVER!

Sou morador de rua, sim

que mais posso fazer?

Mesmo odiando minha vida

não quero saber de perdê-la

e nem ser morto sem motivo.

Já tive um teto um dia

uma família unida.

Com boa comida na mesa

alegria nos meus dias

felicidade no olhar

como qualquer ser humano

com nome e até sobrenome

não um simples Zé Mané.

Só que houve mudanças,

gritantes, em meu caminhar.

Minha vida,

num redemoinho profundo

escorreu-se ralo abaixo

virando poeira no ar.

De doutor, virei mendigo

retirante dos meus sonhos

passando necessidades

obrigado a comer de lixão.

Os amigos se afastaram

perdi tudo que tive um dia

sem ter nada pra trocar

enfrentando preconceitos

obrigado a esmolar.

Desempregado, despejado

desnutrido, desanimado,

desencorajado, combalido,

completamente alquebrado

sem condição de viver...

Fiz das ruas moradia

por não ter onde ficar

Meu teto são as marquises

minha cama, papelão

meu colchão, jornais rasgados

onde muitas das vezes me vejo

espelhado como ladrão.

Não posso escolher local

nem nunca tenho conforto

deito em cama de asfalto

passo frio, sede e fome

mesmo sendo um brasileiro

possuindo identidade.

Sou marcado, escurraçado

de tudo que é lugar

me torno fera acuada

desentendido por todos

por não ter onde aportar.

Minhas roupas estão rasgadas

nem banho posso tomar

estou sujo, corpo e alma

desencantado da vida

descrente de tantas promessas

expulso do meu habitat.

Quando me olham é com nojo

com medo e até um descaso.

Sem se preocupar com meu ser

que mesmo estando abatido

ainda tenho um coração

carregado de esperança

de que um dia, tudo mude

alterando o meu andar.

Na penúria em que me encontro

nada mais tenho de sonho

meu céu é aberto aos pombos

que acompanham meus passos

na divisão dos cacos

de tudo o que me restou.

Se querem que eu saia das ruas

É fácil! devolva-me a vida...

que tive alguns tempos atrás!

Reencontrem a minha família

que se perdeu nesse mundo.

Retornem com meu emprego

um sálario justo que seja

que possa nos sustentar.

Resgatem minha identidade

de um ser humano cansado

que só sabe mendigar

pela caridade alheia,

por restos de comida azeda,

por um pedaço de pão.

Não me olhem como um monstro,

desacorsoado, abandonado,

às margens da sociedade.

Não me firam, não me matem

mesmo desesperançado

ainda luto por viver!

A cada dia que passa

o que me resta da vida

é esperar por um porvir

que seja bem diferente

como nos tempos de outrora.

Onde, meus cabelos brancos,

desiludidos, embaraçados,

possam ser aparados, lavados;

minhas roupas rotas, trocadas

e até usar água de cheiro

para abafar o odor de podre

exalado de minhas carnes.

Respeitem minha condição de vida

não escolhida por mim.

Não estou nas ruas por gosto

a vida me fez assim!

Me vejam como um filho de Deus

pagando por seus pecados.

Por favor, me deixe viver!

só quero um pouco de paz.

Mesmo doente da vida

vivendo no sub-mundo

não me machuque, não me maltrate

pois apesar dos pesares,

ainda sou seu irmão!

Neli Neto

22.08.04

10:47hs-RJ