Primeira Carta

minha primeira carta suicida, dirigi palavras para eu mesmo. embora tivesse firme determinação, sabia que no decorrer do tempo me faltaria a coragem de ir até o fim

os dias passaram invernos, as minhocas produziram húmus sob a terra, pus a termo idéias que não sobreviveram

minha segunda carta suicida, nem cheguei a terminar, num rompante de embriaguez, quebrei uma garrafa de um fino vinho, para cortar os pulsos com os cacos. A visão do vinho derramado antecipou o sangue, esvaecendo novamente o velho pensamento

guardei duas cartas no sótão do pensamento, vivi a inércia dos dias de das noites. Veio um tempo onde não eram possíveis mais cartas

quando senti a hóstia do pó

sob a língua

sangrava-me o nariz

feito beata e santa

bacias e pratos

recebiam goteiras

como relógio de água

neste

contava o intervalo

entre as chuvas

ratos corriam escadas

os cabelos brancos

caíram

vislumbrando a careca de crânio

a primavera

me encontrava nu

com um terço de madeira nas mãos

(T.S. Eliot ria em seu cruel abril)

não havia mais o conforto do vinho

não se deitariam mulheres com tão obscena criatura

minha terceira carta suicida

não encontrou quem a lesse

Edson Bueno de C
Enviado por Edson Bueno de C em 18/01/2005
Código do texto: T1887