Dorflex, i love you so

Desperto por volta das oito da manhã

faz um dia lindo de primavera lá fora

mas no momento isso não importa

me levanto desnorteado e rumo à cozinha

uma dor lancinante percorre meu rosto

como se houvesse uma faca cravada em meu

maxilar, mas não há nada

eu abro o armário e minhas mãos trêmulas

reviram vasilhas e taplewares em busca

de analgésicos

encontro, engulo um que desliza junto

com um pouco do café de ontem

acendo um cigarro enquanto ando em

direção ao espelho, me olho

sinto medo e nojo e raiva e dor

ao notar minha face direita inchada

recheada pelo pus entumescido

inflamada

e pulsando, pulsando

pulsando.

Ando de um lado a outro sem parar

a vontade real é de ver tudo foder

quebrar, estremecer e sangrar

o instinto é o de gritar, espremer

arrancar, mas nada faço

só ando e penso penso penso

que a culpa é toda minha e isso me deixa pior

não poder culpar ninguém pela minha

degradação. Fico tenso. Outro analgésico

outro cigarro, evito o espelho porque

se eu olho dói mais além.

Ligo pra minha dentista, preciso vê-la urgente

ela marca comigo pras onze

eu fico esperando a hora passar

ela passa doendo, eu saio

chego no consultório mais monstro que gente.

Ela é bonita e simpática e me olha serena

não se importa que eu pareça o Fofão

enquanto diz que vai me apertar até

que todo o mal desapareça e eu consinto

ela falando com aquele sorriso

não parece nada mal, não

me sento em sua cadeira reclinável

a luz branca apontada pra mim

e ela começa, com sua seringa cheia

daquele líquido adorável

me encharca, anestesiado eu me sinto bem

então ela me aperta e aperta forte

eu fecho os olhos e espero ela terminar

e ela termina e eu pergunto

“foi bom pra você”?

Ela diz, “o quê”?

Eu digo, “nada”

então ela me mostra um copo de plástico

cheio de um liquido amarelo escuro

espesso

ri e pergunta se estou servido

mas eu declino, agradeço e me retiro

no corredor observo meu reflexo

que incrivelmente se parece comigo

me sinto um tolo feliz e mais leve

meu rosto formiga de um jeito engraçado

acendo um cigarro e caminho por aí

ninguém parece se assustar

não há sobressalto

apenas uma brisa leve

de um lindo dia de primavera

eu, e meu sorriso torto

anestesiado.