Absolvição
Porque não me tombas de vez?
Se teu frio em minha espinha passeia,
Batizes minha fronte suada.
Liberte-me das garras desse corpo cansado,
Dessa voz rouca, entrecortada.
Se te assentas à minha mesa,
Nesse convívio imposto e diário,
Cercas meus olhos, calas em mim as palavras;
Enquanto vertes absinto;
Que em doses me fazes tragar.
Porque não me abrevias as horas?
Porque não me dissolves a essência,
Anulas esse gosto hostil;
Que trago na boca amarga,
Nos olhos de eterna ressaca.
Porque me dás o gozo do céu
Na alma branca, bailarina, criança...
E o fogo do inferno no corpo cativo;
Submisso e covarde...
Porque não me tombas de vez
Sem aliança, sem véus,
Sem herança;
No silêncio que me amanhece,
Ou na prece que em mim anoitece?
Porque me gelas os pés e as mãos,
Acendes em brasas o coração,
Limitas meus passos,
Me aprisionas em esperanças miúdas...
Porque me espreitas curiosa,
Me impões horas escuras, sizudas.
Porque me abraças no leito;
Ameaças a minha razão.
Me tombe de vez no sangue vertido,
Faças cessar o desamor e a luta;
Há de haver algum sentido,
Nessa guerra de desamor e desesperança.
Faças cessar o gemido abafado;
O choro escondido atrás do riso,
Craves de vez meus olhos, nesse horizonte sem rumo,
Abarques meus sonhos vivos e vazios,
Cesses dos meus ossos, esse imenso frio