A Casa abandonada XV A bicicleta tinha uma mudança
A bicicleta tinha uma mudança
Que fazia uma cor, por detrás das árvores,
Acontecia a praia, mudava-se de Leiria para a Figueira
Com a casa no colo, a encher o meu primo e o automóvel,
Brincava-se ponto final,
O Pedro construía a areia,
Que mais tarde era um carro,
A Mila não se ouvia, e a Goreti sorria,
Não tinha nascido ainda o Miguel,
Nem o Walt Disney, nem o Lhó,
Que era muito bom,
Brincávamos no mar ao pé da vida séria dos pescadores, e eles gostavam de nós.
Andávamos de bicicleta a pé, na corrida para a maré,
Um Atlântico poderoso, que nós não sabíamos ainda.
O Hotel e as Berlengas na campainha do teleférico da Nazaré.
Passeio de esferográfica na mão, ouvindo Rui Costa poeta a cantar,
Por exemplo, um gelado, sorvete parece que tem mais graça e também diz no Brasil.
O que quero agora é andar de bicicleta, ou a pé.
Não posso, tenho a Figueira da Foz pedindo boleia,
As moças explodindo nas camisolas fazendo cafuné.
Não gosto de poesia, prefiro a química do pé.
Pois tá bem, cá fico no rodilho da estrada para a Figueira,
Bebendo uma bica ou café.
Qualquer dia entrego a bicicleta,
Mas tenho que pedir desculpa ao patrão:
A bicicleta tinha uma mudança!