POEMA DA AMADA PRONTA PARA O SONO

Pedi ao dia

que dormisse tarde

- um pouquinho só mais tarde -

só para não cochilares.

Mas teus olhos mornos,

cúmplices do pôr-do-sol,

deixaram o fim da tarde

a caminho do sono.

Quietos,

em completo silêncio

levantam pálpebras

e gesticularam

um boa-noite.

Um dia a mais escorregou.

Não tive tempo para acompanhar-te ao dermatologista;

mas comprei a pomada, mesmo sem receita,

passei pelo teu corpo quase nu, com sono,

e senti que nunca foste alérgica ao amor.

Um dia a mais virou fumaça.

Não tive força de vontade para deixar de estar fumante;

mas ao ver-te de braços abertos, espreguiçosa,

pensei, já que respiras meu ar, com prazer

em espantar da casa todos os cinzeiros.

Teu olhar semicerrado,

é um saudável novo vício

que jamais penso em perder.

É bonita a mulher que dorme

se sentindo amada

ao se entregar, de olhos fechados, para a noite.

É bonita a mulher de olhos fechados,

se sentindo inteira

em raros momento, sem a completude do arrepio.

É tão bonita a mulher que deitada vive,

se sentindo serena

sem se preocupar se o amor será ou não vitalício.

A noite passa.

Levanto-me a cada murmúrio:

todas as bem-amadas falam confidencias!

Teus olhos, ainda abstratos, como um pisca-pisca,

abrem-se e fecham-se,

enquanto teus cílios, em cócegas, ao meu peito

me faz rir do teu sono, da tua baba, da tua alma humana.

A manhã espreguiça.

Teus olhos, em levante,

velam meu sono ralo de lençóis finos.

E minhas costas, beijada na paz atenta

da escova os dentes sem fazer ruído,

deixa o chuveiro pingar, sem alardes,

anda pela casa com os pés no chão

e, com teu cheiro de sono recostas

ao meu lado, até que o dia

acorde definitivamente!