ESPERA SUBURBANA

Lacre é a face,

batom, o colarinho

absorvente dos beijos

envergonhados que a rua marcou

na camisa passada

por ela

com carinho

por ele

sem adultério

sem intenção do encardido

que a levará ao tanque.

Amanhã será

dia do milagre da multiplicação.

Na lista, apenas meio quilo de feijão,

muita ponta de terceira e osso

- ela é carne de pescoço -

dura de roer

o salgado preço mercado no fim da feira,

onde comprou as cebolas

para dar gosto ao choro

por ela

consentido

por ele

conformado

em comer na casa endividada

à espera dos amigos de Domingo.

Inteira, pobre e satisfeita,

ficou com peito de mãe,

rosto tal qual lua cheia

e felicidade grávida!

Leva-e-traz os filhos

na Escola Pública de Educação.

Com gestos afinados

canta alto hits-pagode

alegra a espera do companheiro

só dela

com o mesmo batom berrante

só dele

com o mesmo primeiro beijo.

que poderia estar gasto

pelo atraso do retorno.

Amanhã?

Daqui a pouco, mesmo!

Basta que ele chegue com jeito de vai-e-vem

sem relógio, sem pressa, sem pulso

- com jeito de dia curto –

como quem saiu há pouco

e logo pensou em voltar.

Enquanto prepara o jantar

- de improviso -

requenta-se qual seu prato preferido,

apesar da falta de sonho dos filhos.

Consciente

de todas as dores dos partos

ele acaba de chegar.

Excitante

molhada pelo desejo da volta

ela finge se deitar.

A camisa rubra marcada

- que amanhã será lavada -

deita apressada no braço da cadeira

enquanto o forno permanece apagado.

Machista, pobre e suburbano,

cerra a janela aos vizinhos

e fala baixo de carinho

para que ela escute

sua volta ao viver.