O BEIJO DA MORTE E OUTROS OLHARES
“A morte é passagem para a vida definitiva”.
(2 Coríntios, 4, 16-18 e 5, 1-10).
Numa tarde fria do mês de agosto
a morte chegou sem dizer nada
e foi enleando em seus braços,
sem mais tardança,
quem tranqüilo dormia.
Era logo a hora da sesta
que faz parte do costume
e que vem de muito longe,
desde que hispanos e lusos
combateram nestas terras.
Desconcertante é a face da morte...
Talvez tenha havido uma árdua luta,
o corpo baqueado transpirava em profusão
e ainda exalava um cheiro farto
que não era de todo incômodo
- um misto de suor com alfazema.
O choro abafado da filha
debruçada por inteiro
sobre o peito inerte do pai
era tão pungente
que molhava os nossos olhos.
Na tarde fria o pranto prosseguia,
prosseguia também o cheiro de alfazema
acompanhado apenas do balbuciar de preces
e da sensação inelutável de nosso próprio fim,
com uma melancolia em compasso de espera.